Título: Montreal, sucesso ou fracasso?
Autor: José Goldemberg
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/12/2005, Espaço Aberto, p. A2

A Conferência de Montreal sobre mudanças climáticas foi, na realidade, a superposição de duas conferências. A primeira, de 189 países que assinaram a Convenção do Clima no Rio de Janeiro em 1992 (e da qual os EUA fazem parte). Nesta conferência, apenas vagos compromissos voluntários foram assumidos por todos os países e, de modo geral, não foram cumpridos. Os países signatários se reuniram pela 11ª vez em Montreal. A segunda foi a dos 160 países que ratificaram o Protocolo de Kyoto, adotado em 1977 (mas que entrou em vigor apenas este ano) e que estabelece para os países industrializados metas e calendários quantitativos para a redução das emissões que provocam mudanças climáticas. Os EUA, os maiores emissores mundiais, responsáveis por 25% do total das emissões, não ratificou este protocolo, mas os países da Europa e o Japão - num total de 40 países, responsáveis por apenas 15% das emissões mundiais - fazem parte dele e estão lutando para cumprir suas metas. Estes compromissos se estendem apenas até 2012. Os países signatários deste protocolo se reuniram pela primeira vez em Montreal. A agenda das duas conferências era bastante clara: em primeiro lugar, estender o Protocolo de Kyoto além de 2012 e, em segundo lugar, atrair os EUA para ele ou para outro protocolo que ampliasse o número de países que aceitem compromissos firmes de redução das emissões, incluindo, se possível, os países em desenvolvimento, que não estão sujeitos a redução alguma.

O primeiro item da agenda foi atingido parcialmente. Os países membros do Protocolo de Kyoto concordaram em iniciar um processo para "considerar compromissos adicionais dos países industrializados além de 2012"; no entanto, não foi fixado um calendário para as decisões, mascarada pela linguagem de que o processo deve ser concluído "o mais cedo possível e em tempo para assegurar que não haja uma descontinuidade entre o atual período (que se encerra em 2012) e o próximo (após 2012)".

O setor privado, que faz investimentos em transações de emissões por meio de vários mecanismos - entre os quais o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) -, provavelmente não se sentirá muito seguro em continuar a fazê-los diante da falta de definição das regras a vigorar após 2012.

O segundo item, que seria o de levar os EUA a aceitar metas de redução de emissões, resultou no compromisso de iniciar um "diálogo para a troca de experiências e análise de estratégias para cooperação a longo prazo". Este fraco compromisso foi ainda mais enfraquecido pela decisão de que este diálogo "não implicará qualquer negociação que leve a novos compromissos". O fato de estas decisões terem sido saudadas por alguns como um grande sucesso - inclusive ambientalistas - mostra quão desesperadora é a situação: na ausência de qualquer medida prática e objetiva, "concordar em dialogar" (por quanto tempo?) foi o máximo que se conseguiu em Montreal.

Os países em desenvolvimento, que se estão tornando grandes emissores (como a China, a Índia e até o Brasil), não aceitaram nenhum compromisso de redução de emissões, o que não é bom para a atmosfera, já que só a China é responsável por 17% das emissões mundiais e provavelmente vai superar os EUA dentro de 10 a 15 anos. No fundo, a posição da China de se manter fora do Protocolo de Kyoto tem o resultado perverso de justificar que muitos outros - que deveriam estar dentro dele, como os EUA - também se mantenham fora dele. Ações voluntárias de países em desenvolvimento (como "desmatamento evitado" e projetos setoriais de grande porte, ou outras) serão também objeto do "diálogo", que tentará identificar meios de apoiá-las.

Na realidade, o único mecanismo financeiro que existe no momento é o MDL, pelo qual empresas dos países industrializados investem em projetos que geram créditos que podem usar nos seus respectivos países para cumprir as metas do Protocolo de Kyoto. Manter as compensações por "ações voluntárias" fora destes mecanismos e esperar a criação de novos nos parece ser uma oportunidade perdida.

Muito mais eficaz teria sido adotar as sugestões de muitos que reconheciam que "medidas voluntárias" deveriam ser enquadradas no próprio MDL. O argumento usado é de que fazer isso permitiria aos países industrializados resolver seus problemas, isto é, compromissos no Protocolo de Kyoto, sem fazer esforços dentro de seu território para reduzir suas emissões, mas comprando créditos nos países em desenvolvimento, o que é visto como eticamente incorreto por várias organizações não-governamentais. Contudo, se isso não for feito, será perdida uma oportunidade de reduzir as emissões de carbono e outros gases do efeito estufa na atmosfera.

De qualquer forma, o fato de o Brasil se ter decidido a discutir o problema do desmatamento é um grande passo à frente, no qual a ministra Marina Silva tem crédito. No passado era impensável que os negociadores brasileiros se engajassem em qualquer discussão envolvendo a Amazônia.

Afora as decisões sobre estes grandes temas, cujo resultado é, no mínimo duvidoso, foram tomadas algumas medidas concretas para tornar mais eficiente o MDL, que se tornou muito burocrático e voltado apenas para pequenos projetos pontuais. Se implementadas as decisões tomadas em Montreal, elas abrirão caminho para projetos maiores e até projetos setoriais. Mas a linguagem destas decisões é tão obscura que exigirá um amplo trabalho para torná-las operacionais.

Em conclusão, o que se pode dizer é que alguns progressos foram feitos em Montreal, evitando um colapso completo das negociações sobre o clima, mas a conferência não traçou um plano concreto para salvá-lo. Para os que, em desespero, estavam tentando evitar o colapso, a conferência foi um sucesso. Para os mais preocupados em combater de maneira eficiente o efeito estufa e que esperavam muito mais, os resultados foram tímidos e insuficientes. Para eles, a conferência foi um fracasso.