Título: Argentina encerra ciclo de 50 anos de dívidas com o FMI
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/01/2006, Economia & Negócios, p. B5

A Argentina encerrou ontem um ciclo de 50 anos de endividamento com o Fundo Monetário Internacional (FMI) ao pagar US$ 9,574 bilhões de uma só vez. A medida foi celebrada pelo governo Néstor Kirchner como se fosse uma declaração de independência. Na cidade de La Plata, um grupo de simpatizantes do presidente soltaram 200 balões com as frases "Tchau, FMI! Força Kirchner!". Os mercados reagiram com otimismo. A Bolsa de Valores de Buenos Aires fechou em alta de 2,65%. Os títulos da dívida também apresentavam alta de até 1,7%. O dólar subiu um centavo e fechou em 3,06 pesos.

Para os analistas, daqui para a frente Kirchner não terá mais de condicionar sua política econômica às diretrizes do Fundo. O poder de Kirchner, sem a sombra do organismo financeiro, tende a crescer, afirmam.

A ministra da Economia, Felisa Miceli, afirmou que, com o pagamento, "a Argentina recupera a soberania nas decisões econômicas". Segundo ela, o país poderá "melhorar sua situação econômica, financeira e fiscal".

Kirchner está no auge do poder: controla o Senado, tem a primeira minoria da Câmara de Deputados, domina a Corte Suprema de Justiça, goza da obediência da grande maioria dos governadores, derrotou os principais rivais nas últimas eleições parlamentares e a sua popularidade supera os 70%.

Com a saída do FMI, as empresas privatizadas de serviços públicos perderão um forte aliado, que nos últimos dois anos pressionou o governo a suspender o congelamento das tarifas.

Mas os analistas também recordam que o presidente não poderá mais utilizar o FMI de bode expiatório para a maioria dos problemas econômicos argentinos, como tem feito desde que tomou posse. Nos últimos dois anos e meio, Kirchner tem responsabilizado o Fundo pela decadência econômica do país.

RESERVAS

Com a quitação da dívida com o FMI, as reservas do Banco Central encolheram para US$ 18,5 bilhões, o que alguns economistas consideram preocupante. O BC argumenta que tem reservas suficientes para respaldar a base monetária e evitar qualquer ataque especulativo contra o peso.

Para reforçar as reservas, se necessário, o governo poderá emitir novos títulos da dívida pública. Para isso, conta com um amigo fiel: o governo da Venezuela, que desde maio de 2005 já adquiriu US$ 1,5 bilhão em Boden 2012, que o presidente venezuelano, Hugo Chávez, chama de "bônus Kirchner". Em 2006, Chávez compraria outros US$ 2,5 bilhões.

O economista Claudio Loser, ex-integrante do FMI, afirmou que, "do ponto de vista político, a quitação é um marco interessante, mas não mudará muito o dia-a-dia dos argentinos. A interpretação nos mercados externos é que foi um ato político, imitando o Brasil, e deixa a Ar gentina mais vulnerável.