Título: Câmara aprova cerca fronteiriça
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Fonte: O Estado de São Paulo, 18/12/2005, Internacional, p. A18

Além da barreira na fronteira com México, projeto contra imigrantes ilegais prevê pesada multa para seus empregadores

A Câmara dos Representantes dos EUA aprovou na noite de sexta-feira um projeto de amplo alcance que transforma os estimados 11 milhões de imigrantes ilegais no país em criminosos, após um conturbado debate de dois dias. O projeto, de iniciativa republicana, foi aprovado por 239 votos a 182, depois que os governistas superaram uma tentativa de último minuto dos democratas de bloquear o projeto. A legislação: 1) Autoriza a construção de uma cerca com sistemas de vigilância de alta tecnologia ao longo de 1.100 quilômetros (do total de 3.220 quilômetros) da fronteira com o México.

2) Pede que seja feito um estudo sobre a viabilidade de construção de barreiras ao longo da fronteira com o Canadá. 3) Aprova a mobilização de militares para ajudar a impedir a imigração ilegal.

4) Exige que os empregadores verifiquem o status legal de seus empregados. O empregador que contratar um imigrante ilegal pode ser multado em até US$ 25 mil por funcionário nessas condições. 5) Torna crime viver ilegalmente nos Estados Unidos. Atualmente, isso é uma infração punida no âmbito civil.

A questão segue agora para o Senado, que deverá analisá-la em fevereiro. O presidente americano, George W. Bush, saudou a aprovação do projeto na Câmara. ¿A América é uma nação construída sob o império da lei, e este projeto nos ajudará a proteger as fronteiras e combater a entrada ilegal nos Estados Unidos¿, afirmou Bush num comunicado.

Entretanto, uma idéia de Bush para a criação de um programa de ¿trabalhador convidado¿ ficou de fora do projeto aprovado, para garantir o apoio de uma facção republicana ultraconservadora que se opõe ferrenhamente à imigração. O programa teria como base a permissão para que estrangeiros vivam nos Estados Unidos com visto temporário de trabalho. É possível, no entanto, que essa idéia seja retomada no Senado, onde vem crescendo o apoio a um projeto bipartidário ¿ do republicano John McCain e do democrata Edward Kennedy ¿ que combinaria medidas de reforço da fiscalização fronteiriça com um programa de ¿trabalhador convidado¿.

Também ficou de fora do projeto aprovado pela Câmara uma polêmica proposta para negar a cidadania americana a filhos de imigrantes ilegais. A idéia não conseguiu apoio suficiente.

Há quase 140 anos, qualquer criança nascida em solo americano, mesmo quando filha de imigrante ilegal, recebe cidadania americana. A mudança do princípio de ¿cidadania por direito de nascimento¿ era defendida por um grupo de 92 deputados republicanos, como parte do esforço mais amplo para desencorajar a imigração ilegal.

A iniciativa para mudar a política de cidadania era apoiada por alguns acadêmicos e ativistas conservadores, mas, se triunfasse, causaria problemas para a Casa Branca e o próprio Partido Republicano, que vêm cortejando o eleitorado latino. Dirigentes do partido temiam que o esforço para eliminar a cidadania por direito de nascimento afastasse uma parte crucial do eleitorado. Por isso, a própria liderança governista na Câmara barrou essa proposta.

Mas outro ponto polêmico, a construção da cerca, foi aprovado, o que irritou o governo do presidente mexicano, Vicente Fox. ¿O governo do México acredita que uma reforma que se refere apenas a medidas de segurança não contribuirá para uma administração bilateral melhor e mais ampla das questões migratórias¿, assinalou a chancelaria mexicana num comunicado divulgado pouco depois da votação na Câmara. ¿O Executivo dos Estados Unidos já expressou publicamente sem compromisso com uma reforma integral na questão da imigração, com um novo programa para trabalhadores temporários¿, prosseguiu a chancelaria. ¿O governo mexicano vai redobrar seus esforços para alcançar esse objetivo compartilhado.¿

Um dos maiores defensores do projeto, o deputado republicano Tom Tancredo, afirmou que a responsabilização do empregador pela contratação de um ilegal é um ponto-chave para desencorajar a entrada irregular de estrangeiros em busca de trabalho nos Estados Unidos. ¿Você verá que as pessoas irão embora ¿ e irão embora aos milhões¿, afirmou Tancredo. ¿Aqueles que não forem embora, a gente deporta.¿

CIDADANIA

Tom Tancredo também foi o líder do infrutífero esforço para incluir no projeto uma emenda para acabar com a concessão de cidadania por direito de nascimento. Esse princípio decorre da primeira sentença da 14.ª Emenda, ratificada em 1868, para garantir os direitos de escravos emancipados: ¿Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos e sujeitas à jurisdição destes são cidadãs dos Estados Unidos e do Estado onde residem.¿

Os legisladores do bloco de Tancredo alegam que a emenda tem sido mal interpretada há décadas. Os ultraconservadores sustentam que, embora os imigrantes ilegais devam acatar leis e regulamentos americanos, eles não estão ¿sujeitos à jurisdição¿ dos Estados Unidos no sentido pleno ¿ e seus filhos, portanto, ficariam fora do escopo da proteção da lei.

John C. Eastman, diretor do Centro para Jurisprudência Constitucional da Universidade Chapman, em Orange, disse que os membros do Congresso que introduziram a 14.ª Emenda não pretendiam que ela fosse aplicada a filhos de não-cidadãos residindo temporariamente nos Estados Unidos. Não havia imigrantes ilegais naquela época, disse Eastman, porque não havia leis nos livros tratando da questão.

Membros do grupo de Tancredo reconhecem que a imigração ilegal é impulsionada, em grande medida, pela fome de empregos com salários em dólares. Mas dizem também que, para alguns imigrantes, a cidadania automática para os filhos que nascerem nos Estados Unidos oferece mais um incentivo irresistível para cruzar a fronteira. Observam que os EUA são um dos poucos grandes países industrializados que garantem a cidadania por direito de nascimento sem qualquer qualificação.

Durante os debates que antecederam a discussão do projeto na Câmara, líderes da comunidade latina nos Estados Unidos não pouparam críticas à proposta de restrição do direito à cidadania. ¿Isso é uma tentativa de lidar com um problema político sério perseguindo os bebês das pessoas¿, disse Cecilia Muñoz, vice-presidente de política do Conselho Nacional da Raça, um grupo de defesa de latinos. ¿Não é preciso que esse tipo de proposta vire lei para ofender as pessoas.¿ Não há um cálculo oficial do número de crianças nascidas de imigrantes ilegais; estimativas extra-oficiais variam de 100 mil a 350 mil por ano. Smith e outros críticos da lei de imigração vigente dizem que 1 em cada 10 nascidos nos Estados Unidos ¿ e 1 em cada 5 nascidos na Califórnia ¿ é filho de mulheres que entraram ilegalmente no país.

Ao atingir 18 anos de idade, uma criança nascida de imigrantes ilegais nos EUA pode requerer residência legal permanente para seus pais e irmãos. Embora geralmente demore anos para esses pedidos serem aprovados ou rejeitados, os pais que recebem passaporte podem, então, iniciar o processo de solicitação de cidadania plena. Alguns especialistas em imigração acham que a extensão do tempo envolvido nesse processo não é um fator de incentivo importante para a vasta maioria de imigrantes ilegais.

¿Não, de jeito nenhum¿, afirmou Tamar Jacoby, um bolsista sênior do Manhattan Institute, uma organização conservadora de pesquisa. ¿Isto é coisa que alguns profissionais de classe média fazem. Nunca conheci um pobre que fizesse a mulher atravessar o deserto grávida de oito meses para depois esperarem 21 anos até serem patrocinados por seu filho.¿

Harry Pachon, diretor-executivo do Instituto de Política Tomás Rivera da Universidade do Sul da Califórnia, assinalou que certamente houve alguns imigrantes para quem a cidadania por direito de nascimento foi um incentivo importante. ¿Mas serão eles centenas de milhares? Não acredito, e não há evidências que sustentem isso¿, diz Pachon.

Entretanto, algumas sondagens sugerem que muitos americanos consideram esse problema importante. Uma pesquisa realizada em novembro pela empresa independente Scott Rasmussen revela que 49% dos pesquisados defendiam o fim da cidadania por direito de nascença, e 41% se opunham a qualquer mudança. Esses sentimentos parecem refletir uma crescente ambivalência por parte de muitos americanos sobre o impacto social e econômico da imigração, que provavelmente será uma questão de peso nas eleições legislativas de 2006.