Título: Um pacote do bem
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Fonte: O Estado de São Paulo, 04/01/2006, Notas e Informações, p. A3

Mais 179 mil empresas poderão pagar impostos pelo Simples, o sistema especial criado em 1996 para facilitar o cumprimento das obrigações fiscais das pequenas e das microempresas. Estão em vigor desde o dia 1º os novos limites para enquadramento nas duas categorias. Além de recolher os tributos com menor burocracia, quitando simultaneamente Imposto de Renda, PIS-Cofins, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido e contribuição para o INSS, as empresas beneficiadas pagarão menos tributos. Antes da mudança, 1,807 milhão de contribuintes estavam enquadrados no sistema. A ampliação poderá custar ao governo uma renúncia fiscal de R$ 750 milhões anuais, mas essa estimativa talvez seja muito pessimista, porque as novas medidas poderão resultar em menor informalidade, segundo admitiu o ministro interino da Fazenda, Murilo Portugal.

Com essas medidas e com a isenção de Imposto de Renda para quem vender um imóvel e comprar outro em até 180 dias, também regulamentada no último dia útil de 2005, o governo garantiu um réveillon diferente.

A tradição, há décadas, tem sido a passagem de ano com um pacote fiscal destinado a levar mais dinheiro para os cofres da União. Mas a tradição foi rompida com alguma hesitação.

As duas novidades puseram em vigor mudanças definidas, a despeito da resistência do governo, na Lei nº 11.196, originária da MP do Bem, aprovada no fim de outubro.

Para regulamentar a inovação no Imposto de Renda bastou um ato da Receita Federal. Para tornar acessíveis os novos benefícios do Simples foi necessária uma nova medida provisória, enviada ao Congresso na semana passada. De toda forma, essas iniciativas foram um bom fecho para um ano marcado, segundo as estimativas até agora conhecidas, por um novo recorde da carga tributária.

A tributação, segundo o especialista Amir Khair, pode ter subido de 35,91% em 2004 para 37,45% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2005, mantendo, portanto, a trajetória de alta iniciada nos anos 90 e conservada, apesar de várias promessas contrárias, nos três anos do governo petista.

A regulamentação da MP do Bem deve proporcionar mais do que uma extensão dos benefícios do Simples. O Ministério da Fazenda remontou as tabelas de alíquotas para permitir uma transição mais suave da condição de micro para a de pequena empresa e desta para a de empresa de porte médio.

Na primeira passagem, a alíquota sobe de 5,4% para 5,8%. Na segunda, de 12,6% para 16,4% e não mais de 8,6% para 16,4%. Com transições suaves na escala das obrigações fiscais, o crescimento das empresas pode ocorrer com maior tranqüilidade, com menor tentação de fuga para a informalidade ou de fragmentação do negócio para evitar o aumento da tributação.

Com esse cuidado, o Ministério da Fazenda foi além da mera extensão do benefício fiscal a 179 mil empresas. "O Simples é a porta de entrada para o empreendedorismo, mas não pode ser o seu limite", disse Murilo Portugal. "O governo quer que as micros e as pequenas empresas cresçam; não que sejam condenadas a permanecer como estão", acrescentou.

A inovação torna o sistema, portanto, mais funcional e mais compatível com a ambição de crescimento das empresas, uma das principais características do capitalismo.

Mas é preciso ir muito além para adequar a tributação brasileira a essa característica. A maior parte dos impostos e das contribuições continua a funcionar como um freio ao crescimento e à modernização das empresas, encarecendo sua produção, diminuindo seu poder de competição e inibindo os investimentos.

Todas as melhoras do sistema têm resultado principalmente de mudanças parciais, como a da Lei nº 11.196. Faltaram coragem e mobilização política, até agora, para a reforma ampla defendida há mais de uma década por economistas, empresários e sindicalistas.

Alterações parciais são remendos, como a desoneração das exportações pela Lei Kandir, e nem sempre se ajustam bem ao conjunto. O País continua a precisar de uma reforma digna desse nome.

Não se pode esperá-la para 2006. Na melhor hipótese, a grande mudança estará no topo das prioridades do próximo governo.