Título: Garantia vira arma de marketing
Autor: Daniel Hessel Teich
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/12/2005, Economia & Negócios, p. B14

Prazo maior oferecido pelas fábricas vira atestado instantâneo de qualidade na guerra contra concorrentes

Pergunte a qualquer brasileiro o que lhe vem à cabeça quando o assunto é automóvel coreano. A resposta será imediata: perua de lotação ou pura dor-de-cabeça. Motivos não faltam para essa avaliação. As marcas Daewoo e Asia praticamente viraram pó, deixando na mão os clientes brasileiros. A Hyundai, maior e mais rentável das montadoras da Coréia do Sul, trocou tantas vezes de representantes que eram comuns períodos em que os proprietários de veículos nem sabiam a quem recorrer em caso de problemas. É exatamente esse tipo de conceito que a Hyundai e seu terceiro representante no País, o Grupo Caoa, decidiram enterrar de uma vez por todas. A marca adotou uma estratégia agressiva para reconquistar a confiança dos brasileiros: investiu na importação de veículos topo de linha, com preços de R$ 80 mil a R$ 140 mil, e passou a oferecer uma das maiores garantias do mercado de automóveis. ¿A empresa deu um grande salto de qualidade, a ponto de sua trajetória ser comparada com a da Samsung, a marca coreana de maior sucesso no mundo¿, explica Marcello Braga, diretor de Marketing da Hyundai no Brasil.

A garantia dos carros Hyundai só perde hoje para os cinco anos oferecidos pela japonesa Subaru, também representada pelo Caoa. Os rivais mais próximos, os brasileiros Corolla, da Toyota, e o novo Vectra, da General Motors, oferecem três anos. Os dois carros são exceção entre os nacionais, cuja garantia média é de um ano. Em todos os casos, a receita é a mesma: uma garantia longa é o recurso mais poderoso para conferir uma respeitabilidade instantânea a um produto. O difícil é custear o desafio.

A GM gastou R$ 500 milhões para criar o novo Vectra e alterar processos de produção que sustentassem a garantia mais longa. ¿É possível oferecê-la simplesmente provisionando recursos para despesas futuras. A questão é oferecer a garantia dentro de uma estratégia consistente de qualidade¿, diz César Cordeiro, gerente de marcas da linha Chevrolet da GM do Brasil.

Não foi à toa que a GM lançou o Vectra com mais tempo de garantia, há dois meses. O objetivo é enfrentar o rival Toyota Corolla, que inaugurou a garantia de três anos entre os automóveis fabricados no Brasil. O modelo da montadora japonesa caiu no gosto dos brasileiros e engoliu nacos de um mercado que o Vectra sempre dominou, desde a década de 90.

Assim que começou a produzir seus carros no Brasil, a Toyota usou as mesmas armas que a tornaram uma potência no mercado americano nos anos 80, com carros confiáveis, preço competitivo e longa garantia. Esse mesmo caminho é agora repetido pela Hyundai, que nos Estados Unidos já conseguiu reverter a imagem ruim do passado e hoje oferece 10 anos de garantia para seus carros.

No caso da GM, a estratégia criada para o Vectra aparentemente também foi bem-sucedida. Em novembro, os dados de emplacamento de veículos apontaram que o Vectra bateu o Corolla, ainda que em apenas 40 unidades. Foram emplacadas 3.389 unidades de Vectra e 3.349 do Corolla.

Usar a garantia como estratégia de marketing já é uma velha ferramenta para alavancar vendas em outros setores, como eletroeletrônicos. Em 1982, a Evadin alavancou a marca Mitsubishi, que começou a representar no Brasil, com uma campanha em que garantia os aparelhos até a Copa do Mundo de 1986. Foi um sucesso estrondoso, que transformou a Mitsubishi numa das marcas mais prestigiadas do País.

Hoje é a Semp Toshiba que estrutura toda a estratégia de publicidade e marketing de seus televisores de tela convencional ¿ o principal negócio da empresa ¿ em torno de uma garantia de fábrica que dura 50 meses. ¿A tecnologia desses televisores é tão bem dominada que os aparelhos duram até 10 anos¿, explica Oswaldo Ubrig, gerente-geral de Propaganda e Marketing da Semp Toshiba. ¿Na verdade, nós assumimos aqui na fábrica uma garantia estendida que hoje é vendida pelas redes de varejo para todo tipo de eletrodoméstico.¿

Não que seja um negócio barato. ¿É um investimento enorme, principalmente em propaganda, e não podemos esquecer que, mesmo com todo o domínio tecnológico, há um risco de 0,5% dos televisores pifarem depois de um ano. Esse risco nós temos que assumir¿, diz Ubrig.

Segundo ele, a garantia para eletroeletrônicos tem apelo forte principalmente entre consumidores das classes C e D. ¿Os consumidores com maior renda acabam trocando de aparelhos em menos tempo, movidos por novos recursos tecnológicos e mudanças de design.¿ Mas os ricos também gostam de saber que estão aplicando seu dinheiro em produtos de qualidade. Um exemplo são as camas articuladas e movidas por controle remoto da fábrica holandesa Auping, fornecedora da família real daquele país. A marca desembarcou no Brasil há seis meses com um apelo inusitado: garantia eterna para a malha metálica que funciona como estrado nas suas camas. Os motores e controles remotos não têm garantia eterna, mas uma cobertura de cinco anos. Não deixa de ser um consolo para quem pode gastar até R$ 70 mil em uma cama.