Título: Amorim: agora é com os presidentes
Autor: Rolf Kuntz
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/12/2005, Economia & Negócios, p. B10,11
Para chanceler brasileiro, somente a interferência dos líderes de governo pode fazer negociações avançarem
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outros chefes de governo terão de entrar em cena para fazer avançar as negociações globais de comércio, disse ontem o chanceler brasileiro, Celso Amorim, depois de confessar a decepção com a conferência ministerial desta semana. ¿Não creio que os negociadores, isto é, os ministros, possam ir muito mais longe.¿ Diante do risco de um impasse em Hong Kong, o presidente Lula telefonou no dia 7 ao presidente americano, George W. Bush, e propôs uma reunião de líderes, provavelmente em janeiro, para destravar as negociações. Uma semana antes ele havia feito a mesma proposta ao primeiro-ministro britânico, Tony Blair. O primeiro-ministro já respondeu a Lula, segundo Amorim, e mostrou reação positiva à idéia da reunião.
A Rodada Doha, a maior e mais ambiciosa negociação comercial já tentada, foi lançada há quatro anos e deveria ser concluída em 2005, segundo o projeto inicial. Todos os prazos foram estourados. O limite foi empurrado para o final de 2006. Essa meta foi reafirmada na declaração conjunta esboçada para o final da conferência. Os ministros mais influentes, incluído Amorim, fecharam-se numa sala no sábado à noite para discutir o terceiro rascunho da declaração. Na melhor hipótese, conseguiriam definir uma data para a extinção de todos os subsídios a produtos agrícolas, mas seria preciso vencer a resistência da União Européia. Às 5h30 da manhã (horário local), a reunião continuava. Na segunda versão, apareciam entre colchetes duas possibilidades: 2010 e a expressão ¿x anos depois da implementação¿. No terceiro esboço, foram mantidas duas hipóteses, mas a segunda ficou mais definida. O x foi substituído por um número e a redação se tornou mais clara: ¿5 anos a partir do começo da implementação¿. De madrugada, surgiu uma terceira hipótese. O limite seria 2013, ano em que se deve concluir a reforma agrícola européia. Essa data seria aceita pelo G20, pelos Estados Unidos e por outros interessados se os europeus concordassem em antecipar uma parte da liberalização para 2010. A partir daí, a controvérsia recomeçou.
A exigência de soluções paralelas continuou explícita para diminuir a resistência dos europeus. Os governos deverão atacar no mesmo prazo os subsídios à exportação, usados pelos europeus, subvenções embutidas no crédito e na ajuda alimentar, praticadas pelos americanos, e aquelas vinculadas ao comércio estatal, típico de Canadá, Austrália e Nova Zelândia.
A fixação de uma data final tem valor em grande parte simbólico, mas é um resultado fácil de explicar e de vender à opinião pública. A extinção dos subsídios europeus à exportação deveria ocorrer de qualquer forma, como conseqüência da reforma da Política Agrícola Comum (PAC) da União Européia, iniciada em 2003.
Nesse terceiro rascunho da declaração há algum ganho para o Brasil. O texto inclui o compromisso de cortes efetivos nas várias formas de apoio interno causadoras de distorções nos preços. O importante é a palavra ¿efetivos¿, porque representa o compromisso de redução das tarifas aplicadas e não apenas das consolidadas na OMC, comentou Marcos Jank, diretor do Instituto de Estudos de Comércio e Negociações Internacionais (Ícone).
Também houve retrocessos, de acordo com Jank. No caso dos produtos ¿sensíveis¿, sujeitos a proteção especial, o texto admite uma compensação entre redução de tarifas e ampliação de cotas. Quanto mais a redução do imposto de importação se desviar da fórmula proposta, maior deverá ser o aumento da cota. Num caso limite, comentou ele, o Brasil poderia ficar na total dependência de cotas para entregar seus produtos , por exemplo, ao mercado europeu.
Está prevista no texto a criação da categoria de produtos especiais, classificados segundo critérios de segurança alimentar, desenvolvimento rural e condições de manutenção da família. O mecanismo de proteção poderá incluir um gatilho de preço para a elevação imediata e automática da tarifa protetora. Dependendo de como funcione o mecanismo, a tarifa cobrada efetivamente poderá até ficar maior que a consolidada.
Grandes compradores de produtos brasileiros, como a China, poderão usar esse recurso, segundo Jank, para impor de uma hora para outra barreiras a produtos provenientes do Brasil. O País aceita a criação dos produtos especiais, explicou Celso Amorim, por solidariedade a economias pobres e dependentes de mecanismos adicionais de defesa. Mas, além disso, o Ministério do Desenvolvimento Agrário defende a adoção, pelo Brasil, de uma lista de produtos especiais apontados como de interesse da agricultura familiar.
O Brasil nada ganha com isso, segundo os críticos da idéia. Ao contrário: a estratégia brasileira na OMC, no tratamento das questões agrícolas, deveria ser agressiva, já que o País é competitivo.
Para o empresário Pedro Camargo Netto, ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira e ex-secretário de Produção e Comercialização do Ministério da Agricultura, o terceiro esboço da declaração representou um retrocesso em relação ao esquema acordado há um ano e meio. Em sua opinião, o texto não mostra avanço na parte de acesso a mercados.
Segundo Amorim, o novo texto, embora insatisfatório, saiu com mais equilíbrio do que se podia prever. O documento recomenda equilíbrio entre as ambições de acesso a mercado para produtos agrícolas e para produtos industriais. ¿Essa ambição¿, segundo o rascunho, ¿deverá ser alcançada de modo equilibrado e proporcionado, compatível com o princípio de tratamento especial e diferenciado¿ para economias em desenvolvimento.
O documento propõe a eliminação até 2006 dos subsídios à exportação de algodão pelos países desenvolvidos. Também deverão cair, e mais velozmente que no caso de outros produtos, os subsídios internos causadores de distorção comercial.