Título: `Alguém neste País tem de cumprir metas¿
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Fonte: O Estado de São Paulo, 18/12/2005, Economia & Negócios, p. B5

É assim que o diretor de Política Econômica do BC, Afonso Bevilaqua, se defende de críticas aos juros altos

O diretor de Política Econômica do Banco Central (BC), Afonso Bevilaqua, foi citado nominalmente pelo presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Guido Mantega, ao fazer críticas à política de juros em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo. Mantega mencionou Bevilaqua, em lugar de fazer as habituais críticas às instituições, e não a pessoas. Os protestos de Mantega contra o nível elevado dos juros, tanto da Selic quanto da Taxa de Juro de Longo Prazo (TJLP), que serve de referência aos empréstimos do banco, são recorrentes. Ele tem evitado repetir publicamente o comentário, que continua a fazer de forma mais reservada. Uma pessoa próxima ao presidente do BNDES está convicta de que Bevilaqua é o principal formulador da política de juros. Reconhece que o diretor do BC tem grande preparo técnico e por isso sobressai entre os demais, mas é extremamente conservador e suas posições acabam prevalecendo nas discussões internas do Banco Central.

O economista Bevilaqua é conhecido entre seus pares como uma pessoa íntegra, mas com personalidade forte, reservado e sem muita margem para flexibilidade. Uma frase do diretor do BC, atribuída por alguém que o conhece muito bem, mostra um pouco da sua personalidade: ¿Alguém neste País tem de cumprir alguma meta¿. Com isso, ele quis dizer que as críticas ao excessivo conservadorismo do BC derivam do fato de que a instituição, ao contrário de muitas outras, leva as suas metas ao pé da letra, e faz tudo para cumpri-las.

Foi assim na quarta-feira passada, quando o Banco Central decidiu cortar o juro básico em apenas 0,5 ponto porcentual, quando havia um clamor geral dentro e fora do governo por cortes mais ousados. Especialmente depois que a economia deu sinais de esfriamento, com o Produto Interno Bruto encolhendo 1,2% no terceiro trimestre, as pressões para cortes ousados na Selic aumentaram.

O Banco Central, porém, já vinha dando todos os sinais de que não aumentaria a velocidade da queda do juro, porque as projeções de inflação para o ano subiram. As esperanças de um corte mais forte se acenderam quando a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) começou a demorar mais do que o usual. No fim, o resultado: o corte de 0,5 ponto porcentual ganhou por 6 a 2. Os dois diretores que votaram diferente dos demais propuseram corte de 0,75 ponto porcentual. Havia mais de um ano que o Copom só tomava decisões por unanimidade. A divisão nos votos foi a maior novidade da reunião. Do ponto de vista de analistas, essa foi uma indicação de que, em janeiro, o corte será de 0,75%.

Ainda que o juro tenha sido decidido por oito diretores do BC e o placar tenha sido de 6 a 2, Bevilaqua é apontado pela turma do ¿fogo amigo¿ como o principal responsável pelo conservadorismo do BC. O estilo durão, o papel de formulador que ele desempenha e o fato de ele ter saído de onde saiu a maioria dos diretores do BC no governo Fernando Henrique Cardoso ¿ a PUC do Rio ¿ ajudam a alimentar resistências a ele nas hostes ¿desenvolvimentistas¿.

No fim do ano passado, circularam fortes rumores de que o diretor estaria para deixar o governo. Não pelas críticas à política econômica, mas por insatisfação pessoal. No entanto, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, teria interferido e pedido para ele ficar, para não provocar ruídos no mercado. Questionado sobre sua saída em dezembro do ano passado, ele afirmou que jamais tinha pensado em sair, e não se demitiria por causa de críticas.

O fato é que naquela época ele estava em choque com seu colega de equipe econômica, o secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy, que também é um ativo formulador da política econômica. Segundo alguns de seus colegas, eles passaram um tempo sem se falar.