Título: BR-101, a obra que parece eterna
Autor: Agnaldo Brito
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/12/2005, Economia & Negócios, p. B4

Duplicação de rodovia pára de novo por problemas ambientais e dificuldade na obtenção de terras

Município de Palhoça, Santa Catarina, pista sentido Porto Alegre. Paciente, Luiz Gonzaga Espezim Filho, caminhoneiro, aguarda uma explosão. Alpercatas surradas nos pés, olha da boléia a fila imensa de carros, caminhões e ônibus no último trecho duplicado da BR-101. ¿Obras¿, adianta ele. ¿Estão detonando pedras aí na frente. Atrapalha, fazer o quê? Queira Deus que resolvam de vez¿, torce o caminhoneiro que há 20 anos cruza pela perigosa BR-101, por onde passa boa parte do Produto Interno Bruto (PIB) do Sul do Brasil. Mas nem esse que seria um dos poucos esforços para atualizar a infra-estrutura do País está livre de problemas. As obras, que podem dar algum conforto aos mais de 20 mil motoristas que cruzam diariamente esse trecho, estão novamente atrasadas. Desta vez, nem dinheiro é. A obra, estimada em R$ 1,5 bilhão, tem recebido recursos. Foram R$ 401 milhões este ano e serão R$ 427 milhões em 2006.

A verba deriva de um acordo entre o Brasil e o Fundo Monetário Internacional (FMI). No pior trecho da BR-101 no Sul ¿ entre Palhoça e Criciúma ¿ a queixa é a intermitência das obras. ¿Corta aqui, corta lá, pára, volta. Parece que não tem fim¿, diz Espezim Filho. Avanir Aguiar de Sá, supervisor da Regional Sul do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transporte (Dnit) do Ministério dos Transportes, admite que um ano após o presidente Lula ter assinado a ordem de serviço (em 3 de dezembro de 2004) as obras avançaram pouco.

Dois motivos: as construtoras que venceram a concorrência para obras nos 14 lotes não conseguem licença ambiental, autorização para movimentações de terra em áreas consideradas sítios arqueológicos. Pior: falta acordo com os donos dos direitos de lavra em área da região para a obtenção de terra, necessárias para a nivelação do terreno.

¿Esse problema foi o mais sério, atrasou muito as obras. As construtoras não tinham como começar o trabalho. Parte disso foi resolvida. As poucas liberações que conseguiram foram suficientes para a largada, mas vai ser preciso outras fontes de terra¿, diz Sá. Quando saiu a autorização para a duplicação do trecho de 348 quilômetros (248,5 em Santa Catarina e 99,5 no Rio Grande do Sul), a previsão era que a rodovia fosse concluída em 36 meses. ¿Em 2006, as obras precisam ser aceleradas. A expectativa é que nesse período se recupere o tempo perdido¿, acrescenta.

O Dnit não acha que esses problemas são acaso. ¿Todas as empresas que participaram das concorrências sabiam das dificuldades e deviam tê-las previsto¿, afirma o supervisor regional. Nenhuma empresa foi punida por descumprimento de contrato, mas talvez isso não demore a ocorrer. As dificuldades financeiras das empresas que assumiram lotes para a construção também são fonte de preocupação do departamento.

O fim do trecho duplicado da BR-101, em Palhoça (SC), é, antes de tudo, um ponto geográfico para mudanças de humor. A pista ampla dá lugar a um corredor medianamente sinalizado, com pavimento irregular, longos trechos sem acostamento e, principalmente, excessivamente congestionada.

A combinação de pista simples e excesso de veículos cria uma situação de risco iminente. Nas longas retas, como as que existem entre Imbituba e Laguna, a fluidez do trânsito assemelha-se a uma disputa pelo pódio. Carro, caminhão e ônibus avançam sobre o veículo à frente, sem piedade. Ultrapassagens arriscadíssimas elevam sensivelmente os riscos de acidentes.

É uma guerra por uma liderança. Qual? Ninguém sabe. Quando dezenas de carros invadem a pista contrária para as ultrapassagens, começa o desespero. Basta um carro em sentido contrário para desencadear o estado de pânico. Perfeito para quem quer viver perigosamente, um drama para quem depende da estrada para ganhar tostões.