Título: Até aonde vai?
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/12/2005, Economia & Negócios, p. B2

A antecipação do pagamento da dívida remanescente do Brasil junto ao Fundo Monetário Internacional, de US$ 15,5 bilhões, ainda deverá deixar reservas líquidas da ordem de US$ 52 bilhões ou US$ 53 bilhões, dependendo do volume de moeda estrangeira que o Banco Central comprar neste final de ano. São reservas equivalentes a seis meses de importação, não muito distantes do pico histórico atingido em setembro de 1997, quando chegaram a US$ 62,3 bilhões. Mas aquele era ainda o tempo do regime de câmbio indexado (crawling peg) e era importante ter reservas porque a qualquer momento o Banco Central poderia ser chamado a honrar a cotação do dia, como tantas vezes teve de fazer nos dias de corrida ao dólar. No regime de câmbio flutuante não é preciso tanta bala porque o ajuste não se faz por meio de compra ou venda de moeda conversível, mas por flutuação das cotações. Até quando o Banco Central deve estocar reservas? A resposta a essa pergunta é importante por duas razões. Primeira, porque pode dar indicação de quando o Banco Central pode começar a reduzir ou a paralisar suas intervenções no câmbio. Segunda, porque também dá idéia sobre o que acontecerá com o câmbio se o Banco Central sair do mercado.

Quando começou o processo de reforço de reservas, em dezembro de 2004, os exportadores comemoraram porque, entenderam eles, fora criada uma demanda por moeda estrangeira capaz de estancar a ¿valorização artificial¿ do real. Essas operações, suspensas em março, foram retomadas em setembro.

Logo se viu que, em vez de reverter a valorização do real, o aumento das reservas tem tudo para provocar efeito inverso. Os observadores olham o tamanho da pilha de dólares e entendem que as condições da economia melhoraram, a confiança se fortalece e aumenta a possibilidade de valorização da moeda nacional, para desânimo dos exportadores, que contam com o efeito oposto.

A estratégia de recomposição de reservas esbarra em limites fiscais. Para comprar dólares, o Banco Central precisa abastecer-se de reais e, para isso, emite títulos públicos.

A dívida não aumenta, porque essa operação casa ativos (dólares em reservas), de um lado, com passivos (dívida pública), de outro. O problema está em que, pelas reservas, o Banco Central obtém juros de 4% ou 5% ao ano enquanto, pela dívida pública, paga os 18% ao ano hoje vigentes. Essa diferença com juros custa ao Banco Central despesas extras de aproximadamente US$ 6,5 bilhões por ano. E é este o principal limite fiscal mencionado.

Em princípio, o Banco Central poderia comprar reservas para quitar antecipadamente dívida externa. Se fez isso com a dívida com o Fundo, por que não poderia fazê-lo com outras dívidas? Esta não seria uma operação de recomposição de reservas, mas de redução do passivo externo, cujo efeito também seria o de melhorar a credibilidade e, por aí, de fortalecer o real.

No regime de câmbio flutuante é difícil definir qual deva ser o limite ideal de reservas. Elas estão sempre sujeitas às oscilações do câmbio internacional. Num volume de US$ 50 bilhões de reservas, se o dólar se desvalorizar 20% diante do euro, fato que já aconteceu desde 1999, as perdas seriam equivalentes a um mês inteiro de exportações, o que não é pouco.

Alguns bancos centrais param de amontoar reservas quando se forma razoável consenso na opinião pública de que já há o que chegue. Até agora, poucos analistas se pronunciaram no Brasil sobre isso, o que é sinal de que ainda não chegou a hora de parar.