Título: Mortos-vivos dão expediente no Congresso
Autor: João Domingos
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/12/2005, Nacional, p. A10

Ex-deputados, como Dirceu e Jefferson, continuam presentes fisicamente ou através de seus projetos

Como fantasmas, parlamentares cassados ou que renunciaram para não perder os direitos políticos continuam presentes no Congresso. Não só fisicamente, como o ex-líder do PT Paulo Rocha (PA) - que renunciou mas até preside reunião de bancada na Câmara -, mas também pelos projetos que deixaram por todos os lados. O próprio Rocha teve um - que anistia funcionários dos Correios punidos por se envolverem em greve - que entrou na pauta da convocação extraordinária. O ex-senador Luiz Estêvão (PMDB-DF), cassado em 2000, vem dando a maior canseira nos provedores de internet. Um pouco antes de perder o mandato, ele apresentou projeto que regulamenta a prestação de serviço pelos provedores de internet. A proposta já passou pelo Senado e está em exame na Câmara. Como já se passaram cinco anos da apresentação da proposta, muita coisa ficou desatualizada, mas o projeto continua valendo. Tem uma cláusula que proíbe a divulgação das listas das pessoas que compram o serviço. Os prestadores querem derrubá-la.

As TVs a cabo também têm dor de cabeça com os ex-parlamentares. Um projeto do ex-deputado Severino Cavalcanti (PP-PE), que renunciou depois de ser acusado de cobrar propina de um dono de restaurante, institui a censura a todas as cenas de sexo ou eróticas na TV, até nas pagas, em qualquer horário. Se a proposta passar, novelas que mostram casais na cama ficarão proibidas de fazê-lo. E os filmes serão mutilados.

O fantasma de Severino também quer proibir a autorização pelo Código Penal de aborto em vítimas de estupro ou em mães que corram o risco de morrer por causa do feto. Também proíbe que a rede de hospitais do SUS faça operações de troca de sexo e acaba com o monopólio da União Nacional dos Estudantes (UNE) na confecção de carteirinhas de estudantes.

A ironia reservou um lugar para o ex-deputado e ex-ministro José Dirceu (PT-SP). Ele foi cassado em novembro, por supostamente ser o chefe do mensalão e do caixa 2 do PT. Pois Dirceu tem um projeto que cria o comitê financeiro de partido político, responsável pela arrecadação, aplicação e prestação de contas dos recursos das campanhas políticas e normas para a doação em dinheiro. Também é dele a proposta que suspende os efeitos do pedido de renúncia de parlamentar que esteja sendo investigado ou processado pelo Senado ou pela Câmara.

Seu desafeto Roberto Jefferson (PTB-RJ), cassado em setembro, tem um projeto que regulamenta a participação do advogado nas CPIs, logo ele, que tanto precisou de um. Também de Jefferson há um projeto que autoriza a destinação de cadáver não reclamado pelos familiares para instituições de ensino ou proíbe empresas públicas de gás e de luz de fazer cortes nos fins de semana e feriados. No campo da educação, Jefferson propôs que uma lei devolva à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) o nome histórico de Universidade do Brasil.

O presidente do PL, Valdemar Costa Neto (PL-SP), renunciou em agosto, ao perceber que poderia sofrer um processo de cassação por envolvimento com o caixa 2 do PT. Costa Neto foi uma vez à CPI dos Correios e duas à CPI do Mensalão, sempre como testemunha. Deve ter lembrado de que tem um projeto de lei que torna crime inafiançável a negação, pela testemunha convocada por CPI, de assinar o termo de compromisso com a verdade.