Título: CPI leva drible de depoentes e apela à PF
Autor: Luciana Nunes Leal
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/12/2005, Nacional, p. A9

Após habeas-corpus no STF, tática agora é simplesmente não aparecer

Primeiro, foram os habeas-corpus. Munidos de permissão do Supremo Tribunal Federal (STF), os convocados pela CPI dos Correios, como investigados ou testemunhas, podiam falar apenas sobre os assuntos que quisessem. O empresário Marcos Valério Fernandes de Souza e os ex-dirigentes do PT Delúbio Soares e Silvio Pereira foram alguns dos primeiros beneficiados com o instrumento jurídico e, em seus depoimentos, escaparam várias vezes: "Sobre este assunto, me reservo o direito de não responder." Convencidos de que os convocados estavam abusando do direito de ficarem calados, os deputados e senadores da CPI fizeram uma visita aos ministros do Supremo e os habeas-corpus diminuíram. Resultado: o artifício mudou. Muitos convocados simplesmente não aparecem no dia marcado para depor. Na semana passada, de 13 depoimentos agendados, 5 foram cancelados por ausência dos personagens principais.

A seriedade do depoimento do dono da empresa de transporte aéreo Beta, Ioannis Amerssonis, na última quinta-feira, foi quebrada por alguns momentos quando o sub-relator de contratos, deputado José Eduardo Martins Cardozo (PT-SP), leu as justificativas para as ausências dos dois outros convocados para o dia, os funcionários da empresa Skymaster Éder Cabo Verde e Reginaldo Menezes Fernandes, que vivem em Manaus.

Reginaldo disse que teve uma crise renal e precisou ser atendido de emergência. E Éder? Teve de levar Reginaldo ao pronto-socorro, segundo explicação oficial ao sub-relator. Nem o empresário que prestava depoimento nem o sub-relator que o inquiria conseguiram segurar o riso.

Cardozo não se convenceu. Aceitou esperar o restabelecimento de Reginaldo, mas prometeu usar o recurso da condução coercitiva para ouvir Éder esta semana. Por este instrumento, a CPI pode pedir ajuda à Polícia Federal para que o convocado seja levado ao Congresso para prestar depoimento. Na quarta-feira, outro faltoso, Francisco Marques Carioca, funcionário da empresa Cortez Câmbio e Turismo, não apareceu e sequer justificou a ausência. Também será procurado pela Polícia Federal em Manaus, onde vive.

O dono da casa de câmbio, Carlos Alberto Taveira Cortez, apresentou uma razão em princípio incontestável: por problemas com a Justiça, não pode deixar a cidade onde mora.

VÉSPERA DE NATAL

Com as constantes ausências, a CPI decidiu recorrer cada vez mais à Polícia Federal. Na tarde de quarta-feira, um delegado esteve no consultório do médico Paulo Kleber Avelar Araújo, em Belo Horizonte, e constatou ser autêntico o atestado que permitiu a ausência na CPI do vice-presidente do Banco Rural, José Roberto Salgado.

Advogado de Salgado, o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, encaminhou comunicado à CPI dizendo que seu cliente teve problemas cardíacos e obteve licença de dez dias, o que significa que estaria disponível somente no dia 24, véspera do Natal. Como a data é impossível para um depoimento, Salgado deverá comparecer à CPI somente em janeiro.

O advogado ofereceu a alternativa de Salgado prestar depoimento em Belo Horizonte, "em situação menos estressante". O presidente da CPI, senador Delcídio Amaral (PT-MS), não aceitou. "Não vamos abrir esse precedente. Só ouvimos depoentes no lugar onde eles moram em casos muito especiais, principalmente quando estão presos. Vamos esperar o senhor Salgado se recuperar, ele é uma pessoa de extrema relevância nas investigações. A ausência atrasa, prejudica, mas há justificativa. Coincidentemente, a recomendação do repouso termina em 24 de dezembro. Mas vamos esperar."

Para tentar frear as faltas, a CPI promete recorrer cada vez mais à condução coercitiva, se for preciso. Só o sub-relator dos fundos de pensão, deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA), tem mais de 60 convocados, entre diretores dos fundos, donos de corretoras e investidores individuais. A CPI está em disputa judicial com os fundos, que já obtiveram liminares no Supremo para suspender quebra de sigilo aprovada pelos parlamentares e divulgação de dados sigilosos.

"No caso dos que faltarem, tem de pegar a Polícia Federal e obrigar a comparecer, mas espero que isso não aconteça", diz ACM Neto. O deputado tem recebido muitas críticas dos diretores dos fundos de pensão que tiveram maiores perdas em investimentos no mercado financeiro. Mas não deixa os ataques sem resposta. "Como são pessoas que se acham protegidas pelo poder econômico, pode ser que queiram crescer o nariz para cima da CPI, mas vão ter o mesmo tratamento que qualquer investigado. E, convocados, terão de comparecer", avisa o sub-relator.