Título: Gentilmente, Putin brande a terrível arma energética
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Fonte: O Estado de São Paulo, 04/01/2006, Internacional, p. A8
A tática de Vladimir Putin é muito boa. Só tem vantagens. Putin se mostra gentil e diz que ficará triste se os europeus passarem frio no inverno. Mas ao mesmo tempo, lembra que o Kremlin dispõe, com o gás, e talvez com o petróleo, de uma terrível arma econômica e política. E pode brandi-la quando bem entender. Em suma, uma estratégia de chantagem na qual Putin usa com habilidade os sutis mecanismos que Moscou empregou ao longo da guerra fria. Segunda vantagem do golpe da Gazprom: Putin explica que se as emissões de gás russo pelo gasoduto ucraniano foram afetadas, foi porque a Ucrânia se aproveitou e se serviu largamente da parte destinada aos europeus. Segundo o presidente russo, a Ucrânia teria roubado em um único dia US$ 25 milhões em gás. Portanto, ódio aos bandidos internacionais da Ucrânia! Kiev, é Claro, desmente.
Moscou fará tudo para que os europeus recebam o volume prometido de gás russo. A Rússia ocupará a presidência do G-8 (os sete países mais ricos e a Rússia). Putin não vai perder a oportunidade de voltar ao tabuleiro internacional. Principalmente porque a próxima cúpula do G-8 será consagrada, como por acaso, ao problema dos recursos energéticos.
A Europa, diante dessa confusão, hesita. A reunião sobre esse tema, amanhã em Bruxelas, será uma nova prova dessa maestria na arte da hesitação. Não é difícil hesitar, na medida em que ou a União Européia é uma cascata de poderes entrelaçados: os do Alto Comissariado de Bruxelas, os da Assembléia de Estrasburgo, os dos comissários executivos, os dos 25 chefes de governo e de uma centena de ministros, os do país encarregado este semestre da presidência rotatória (a Áustria), etc. Tem-se a perfeita impressão, às vezes, de que a UE foi inventada para que nenhuma decisão jamais seja tomada.