Título: Alerta: avanço da genética cria dilemas assustadores
Autor: Alok Jha
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/01/2006, Vida&, p. A14

O conhecimento cada vez maior sobre como os genes influenciam o comportamento e o potencial da questão em gerar dilemas éticos e morais é uma das maiores preocupações que parte da sociedade tem, segundo importantes cientistas. Essas preocupações foram expressas numa enquete feita pelo site Edge com cem cientistas e filósofos. A pergunta era: "o que é mais assustador e/ou perigoso?". O resultado está em www.edge.org. O cientista e empresário americano Craig Venter, que encabeçou a corrida pelo seqüenciamento do genoma humano na década de 1990, acredita que as descobertas sobre como a base genética pode influenciar a personalidade e o comportamento causarão conflitos na sociedade. Disse ser inevitável que fortes componentes genéticos sejam descobertos na raiz de muitas das características humanas tais como tipo de personalidade, habilidade no uso de idiomas, inteligência, qualidade da memória e capacidade atlética. "O perigo está no que nós já sabemos: que não fomos criados todos iguais", disse ele.

A idéia de Venter encontra respaldo no que pensa Steven Pinker, um psicólogo da Harvard University. "A revolução genômica humana tem dado origem a um enorme volume de comentários sobre os possíveis perigos da clonagem e do aperfeiçoamento genético humano", diz Pinker. E completa: "Desconfio que isso são pistas falsas. Quando as pessoas compreenderem que clonar não é a ressurreição da alma nem uma fonte de órgãos de reposição, ninguém vai querer isso. Da mesma forma, quando compreenderem que a maioria dos genes tem custos assim como benefícios (pode-se elevar o QI de uma criança, mas também podemos predispô-la a doenças genéticas), 'os bebês projetados' perderão os atrativos que tiverem".

Richard Dawkins, da Oxford University, disse que o entendimento cada vez maior sobre como o cérebro funciona levará a questões difíceis na definição do que é moralidade. "Como cientistas, acreditamos que o cérebro humano, embora possa não funcionar da mesma maneira que computadores, certamente é regido pelas leis da física", afirma. "Quando um computador funciona mal, nós não o punimos. Procuramos o defeito e o consertamos, substituindo um componente. Não seria o assassino ou o estuprador apenas uma máquina com um componente defeituoso? Ou com uma criação deficiente? Ou com genes deficientes?", polemiza Dawkins.

AMBIENTE, SAÚDE

Outros cientistas optam por centrar o foco nas angústias das pessoas em sua relação com o meio ambiente. O físico Paul Davies traz à baila a idéia de que nossa luta contra o aquecimento global pode estar perdida. "A idéia de desistir da luta contra o aquecimento global é perigosa porque não deveria ter chegado a esse ponto. A humanidade tem os recursos e a tecnologia para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. O que falta é vontade política", acredita ele.

Samuel Barondes, um neurobiólogo da Universidade da Califórnia, está preocupado com a onda de receitar medicamentos capazes de controlar o comportamento do cérebro. Drogas como o Prozac têm sido usadas com sucesso há anos para tratar males desde a depressão até doenças psiquiátricas mais graves. "Apesar das comprovações e do aparente sucesso delas, o uso continuado de tais medicamentos para alterar a personalidade ainda deve ser considerado perigoso", diz Barondes. "O verdadeiro risco é o fato de não existirem estudos controlados sobre os efeitos dessas drogas no decorrer de muitos anos e até de décadas."

CONTROLE

O presidente da Royal Society, Martin Rees, acredita que o grande temor da sociedade - e por que não dizer o grande perigo para ela - é o fato de que a ciência e a tecnologia estão fugindo ao controle. "Quase toda descoberta científica tem potencial para o mal assim como para o bem. Suas aplicações podem ser canalizadas para qualquer um dos lados, dependendo das nossas escolhas pessoais e políticas", declara. "Não podemos aceitar os benefícios sem nos defrontarmos com os riscos. As decisões determinarão se os resultados da ciência do século 21 serão benéficos ou devastadores."

Rees argumenta que a sensação de fatalismo irá se interpor no caminho do progresso da ciência. "O futuro será mais bem garantido - e a ciência tem mais chances de ser aplicada de forma ideal - por meio dos esforços das pessoas menos fatalistas."