Título: De casuísmo em casuísmo
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/12/2005, Nacional, p. A8

Há nove anos, fizeram de tudo (e mais um pouco) para aprovar; ano passado apresentaram proposta na Câmara para revogar, na semana passada deflagraram ofensiva para extinguir de vez o instituto da reeleição. Quatro dias atrás, porém, os tucanos começaram pensar de novo em mudar de posição e a reavaliar a conveniência política defender uma tese diametralmente oposta àquela que, segundo diziam em 1996, daria não apenas mais um mandato para Fernando Henrique Cardoso, mas significaria um avanço para democracia brasileira.

Como não poderia deixar de ser, ao levantar a bandeira do fim da reeleição, o PSDB foi acusado de oportunismo e de ter, lá atrás, recorrido a um expediente casuístico com o intuito exclusivo de prolongar sua permanência no poder.

Diante das críticas, principalmente de que a proposta de cinco anos de mandato único teria a intenção de aplacar as divergências entre os diversos postulantes do PSDB à candidatura presidencial, a direção do partido na última reunião da Executiva reabriu a discussão.

Pôs na mesa a possibilidade de um recuo com receio de criar um problema desnecessário justamente num momento favorável à oposição.

"Todas as atitudes agora tem de ser postas na balança", diz o secretário-geral do PSDB, deputado Eduardo Paes. A ele, particularmente, a hipótese do recuo ainda não convence, embora reconheça razão nos que alertam para o risco de o tucanato abrir a guarda ao bombardeio por causa de uma questão de importância relativa.

O mais ilustre defensor da manutenção da reeleição é o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, pré-candidato a presidente.

Mas outras figuras de destaque no partido, como o presidente Tasso Jereissati, o prefeito José Serra e o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, acham que a hora de aprovar a emenda revogatória apresentada em 2004 pelo deputado Jutahy Magalhães é no início de 2006.

"Assim o presidente eleito já iniciaria o mandato dentro das novas regras do jogo", argumenta o senador Jereissati. Mas ele aceitou na reunião da Executiva as ponderações de que há um clima desfavorável em relação à oportunidade da abordagem do tema.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, consultado por Aécio Neves, aceitou dar apoio ao fim da reeleição, mas reservou-se o direito de fazê-lo discretamente, pois - com toda razão - considerou que, como beneficiário da emenda aprovada em janeiro de 1997, não seria o porta-voz mais autorizado para defender sua revogação agora.

O governador de Minas reconhece as dificuldades. "Não passaremos por esse debate incólumes." Aécio diz ter mudado de opinião não por causa das conveniências eleitorais de seu partido agora. Mudou, afirma, quando passou a perceber a reeleição sob a perspectiva do ocupante de cargo executivo.

"Antes, quando era parlamentar, não tinha noção de que a reeleição era, na verdade, uma armadilha para o governante. Ele não pode deixar de concorrer a um segundo mandato sob pena de desarticular todo seu governo, desagregar seu grupo político e admitir-se fracassado diante da opinião pública."

Aécio faz um raciocínio hipotético tomando seu caso como exemplo: "Se eu resolver concorrer ao Senado, não posso abrir mão da reeleição sem que isso signifique o fim do meu governo e atraia para mim a ira dos aliados."

Na teoria, este e todos os outros argumentos fazem sentido. Mas, na prática, não há comprovação de que a experiência não tenha dado certo. Além disso, as razões alegadas agora para justificar que a reeleição não foi "uma boa idéia" já existiam quando seus detratores atuais a consideravam algo próximo da redenção da democracia no Brasil.

Hoje invocam o falecido Mário Covas para dar sustentação aos seus motivos, mas, à época, deixaram o então governador de São Paulo falando sozinho contra a emenda da reeleição. Chegou a ser visto como um opositor do governo de FH.

As ponderações de Covas eram exatamente no sentido das alegações de agora: que o governante ficaria exclusivamente referido no projeto de reeleição e o concorrente na posse do cargo ou teria a tentação de abusar do uso da máquina administrativa, ou sofreria essas acusações por parte dos adversários.

Da mesma forma, protestava contra a política de juros altos, mas esta já é outra história.

Pelas beiradas

A pesquisa Datafolha apontando o favoritismo do ex-governador Orestes Quércia na disputa pelo Palácio dos Bandeirantes só não surpreendeu o próprio.

Há pelo menos seis meses Quércia vem se movimentando como candidato ao governo de São Paulo baseado no ambiente observado em suas andanças pelo Estado.

O resultado poderá reacender no PMDB a animação com a candidatura própria à Presidência, se ficar demonstrado que há relação entre o quadro paulista e o possível anseio do eleitorado a uma alternativa ao binômio PT-PSDB no plano nacional.