Título: 'Uns me acusam por desinformação. Outros mentem para se proteger'
Autor: Paulo Moreira Leite
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/12/2005, Nacional, p. A6

Na mira de denúncias mesmo após deixar Secom, Gushiken se defende, acusa adversários e faz autocrítica

Apontado como grande amigo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Luiz Gushiken deixou o posto de ministro na esperança de ficar longe das acusações do mensalão. Enganou-se. As denúncias não param de surgir, ora envolvendo o ex-ministro em contratos na Secretaria de Comunicações, a Secom, que Gushiken dirigiu por dois anos e meio, ora em operações dos fundos de pensão - instituições onde exerce influência antiga e conhecida. Em entrevista ao Estado, Gushiken se defende e se explica, acusa adversários e faz revelações e autocrítica. "Há pessoas que me acusam por desinformação. Outras mentem para se proteger." O ex-ministro conta que em 2002 recomendou à campanha de Lula que recusasse contribuições financeiras do empresário Daniel Dantas, do grupo Opportunity, com quem travou guerra sem quartel por privatizações na área de telefonia. Recorda o convívio com o publicitário Duda Mendonça, que chegou a fazer indicações no primeiro escalão da Secom. Gushiken avalia que a crise do mensalão só não tirou Lula do cargo "porque é um presidente forte, apoiado por um partido como o PT".

Fora do comando de um governo que ajudou a construir desde a pré-história, Gushiken acorda cedo para fazer uma hora de natação, quatro vezes por semana. Às terças e quintas, pratica ioga. O ex-ministro cuida do Núcleo de Assuntos Estratégicos, onde uma equipe de estudiosos formula projetos de longo prazo - atividade curiosa num governo em fim de mandato que vai encarar uma campanha eleitoral dificílima em 2006. Sua entrevista:

Nesta semana outro publicitário disse à CPI que os contratos de publicidade dos Correios passavam pela Secom, que aprovava o conceito, o layout e o orçamento. Mais uma vez o senhor divulgou uma nota, contestando o depoimento. Por que esses desmentidos não funcionam?

Porque ainda existe uma confusão brutal sobre as atribuições da Secom. Os contratos de publicidade das estatais não passavam pela Secom, só as propostas de patrocínio. Uma norma exige que todo patrocínio acima de R$ 50 mil deve ser aprovado por um comitê da Secom. Já os contratos de publicidade eram feitos pelas estatais com autonomia.

A antecipação de R$ 9 milhões da Visanet para agência de Marcos Valério passou pelo senhor?

Não.

Por que Henrique Pizzolato, diretor de Marketing do Banco do Brasil, disse que o senhor o autorizou a fazer essa operação?

Já disse que ele mentiu. Nunca me apresentou esse acordo para ser examinado. Soube da antecipação pela CPI.

Pelo dinheiro envolvido, fica a impressão de certo descontrole. Não era possível fazer algo?

Não era minha atribuição.

O senhor não poderia ter alertado o presidente do Banco?

Mesmo que soubesse da antecipação não deveria fazer isso. Seria uma ingerência absurda. Se ligasse para falar de publicidade, outro ministro poderia falar das novas agências.

Mas como acreditar que profissionais que fazem uma campanha para o governo não sabem qual é o papel da Secom?

As pessoas confundem. A Secom não mexe no orçamento de campanha, mas faz triagem de conteúdo. Por exemplo: nós achamos que as campanhas do governo sempre devem refletir a diversidade étnica brasileira e discutimos isso com as agências. Fiz intervenção numa campanha do Banco do Brasil, a respeito de empréstimos para aposentados. Eles não falavam que o decreto baixava a taxa de juros. Em 2003, defendi que as campanhas das estatais deveriam conter o conceito de crescimento da economia. Por quê? Havia grau de pessimismo, embora os indicadores já mostrassem sinais de crescimento. Chamei as agências e diretores de estatais e disse isso.

O senhor não estava politizando as campanhas, ajudando a imagem do governo?

Não. Mais tarde, várias empresas privadas também entraram, porque perceberam que o crescimento iria aparecer. A campanha "O Melhor do Brasil É o Brasileiro" começou assim.

No início do governo as contas da Secom foram divididas entre Duda Mendonça, a Lew Lara e a Matisse. Esta última tem como sócio Paulo de Tarso dos Santos, que fez a campanha de Lula em 1989 e é ligado ao PT. Considerando que já havia o Duda na Secom, não parece que amigos do PT foram favorecidos?

O Paulo de Tarso foi o principal consultor de comunicação do presidente Fernando Henrique Cardoso em 2002. Então, dizer que é petista é um certo exagero. Ele fez campanhas para o PT.

Mas não é estranho o Paulo de Tarso tornar-se sócio da agência depois que ela foi vitoriosa na licitação da Secom?

Não conheço esse detalhe. Mas tenho certeza de que a agência cumpriu todos os critérios técnicos da concorrência.

No início do governo a Secom teve uma diretoria indicada pelo Duda Mendonça. Era compromisso de campanha?

Era uma funcionária com muitas competências, que chegou com boas recomendações. Mas não tinha competência gerencial e foi afastada meses depois.

Por que o senhor convidou Duda Mendonça para coordenar a publicidade do governo?

Eu não conhecia o tamanho do ego dos publicitários. Cada um considera sua criação uma obra-prima. Eles têm muita dificuldade de se articular, de aceitar a opinião alheia. Desisti.

A própria Controladoria-Geral da União chegou a fazer críticas ao senhor.

Pedi explicações e recebi uma carta do ministro Waldir Pires (da Controladoria-Geral da União), cujo teor é esclarecedor. Diz que jamais se encontrou motivo para apurar responsabilidades nem indícios de prejuízo aos cofres públicos.

Henrique Pizzolato, que recebeu R$ 350 mil do valerioduto, era membro do conselho do fundo de pensão Previ, do Banco do Brasil. Por que o senhor diz que ele foi cooptado pelo grupo Opportunity, que disputava o controle da Brasil Telecom com a Previ?

Ele deixou clara sua preferência pelos interesses do grupo Opportunity. Numa reunião disse aos conselheiros que precisavam aprovar imediatamente uma medida favorável ao Opportunity, que era a venda da Telemig. Disse que fora procurado por uma pessoa do governo. O Sérgio Rosa (presidente da Previ) resolveu conferir e veio a Brasília. Conversou comigo, depois com o Palocci (Antonio Palocci, ministro da Fazenda). Eu disse que aquilo não era verdade. O Palocci disse a mesma coisa.

Essa pessoa do governo com quem o Pizzolato tinha conversado era o José Dirceu?

Nunca conversei com o José Dirceu sobre isso.

O senhor conversou com o presidente Lula sobre o Daniel Dantas?

Em duas ocasiões, pelo menos. Até porque ele pagou uma empresa para me espionar. Na campanha eleitoral falei sobre ele. O presidente não tinha noção de quem era esse empresário.

Os fundos de pensão foram usados para fazer contribuições para a campanha do PT?

Essa é a tese da CPI. Acho que isso é quase impossível de acontecer. Os fundos obedecem a uma legislação rigorosa e têm sistemas de controle severos. Além disso, grande parte das aplicações é terceirizada por vários bancos, que têm de concorrer entre si. No governo passado nós tivemos as privatizações, com escândalos que provocaram quedas de ministros e dirigentes dos fundos. Também teve o investimento de Sauípe, na Bahia, um péssimo negócio que os fundos bancaram. Estes são os comentários. Mas é difícil provar.

É possível imaginar que os fundos permitam a uma empresa ganhar bastante dinheiro e esta, em retribuição, colabore nas finanças do partido?

Até agora a maior irregularidade envolve um fundo de pensão do governo do Rio de Janeiro. Minha opinião é que os erros e prejuízos devem ser investigados. A apuração técnica deve anteceder sempre os aspectos políticos. Mas lembro que até agora não se quebrou o sigilo dos arquivos do computador do Opportunity, que foi apreendido pela Polícia Federal. Essa blindagem me deixa indignado. O senhor Daniel Dantas tem vínculos conhecidos com Marcos Valério.

Por que o senhor impediu que Daniel Dantas contribuísse para a campanha de Lula?

Alertei os dirigentes da campanha de que esse empresário era um cidadão nefasto. Fiz recomendações de que não deveríamos aceitar suas contribuições. Espero que tenha sido obedecido. Quando montamos o Conselho Econômico e Social, descobri que haviam convidado um representante do Opportunity. Estranhei muito e reclamei.

Já houve um esforço do grupo Opportunity para cooptá-lo?

Em 2001, quando tinha minha empresa, o Opportunity tentou se aproximar de nós. As conversas não prosperaram porque eu sabia com quem estava falando.

Seu interesse pelos fundos de pensão é apenas de natureza cívica?

Sempre me interessei pelo tema por causa da minha origem sindical. Os fundos têm patrimônio imenso, que é dos trabalhadores, que precisam estar preparados para não serem prejudicados. Minha preocupação é essa.

Por que o senhor indicou dois presidentes dos fundos?

Indiquei um, Wagner Pinheiro, do Petros. Foi uma sugestão que dei à ministra Dilma Rousseff (ministra-chefe da Casa Civil). Ele já havia sido dirigente de um fundo e a própria ministra o conhecia. O Sérgio Rosa, da Previ, era o candidato natural a presidente. Não só pelo preparo técnico, mas porque já era o diretor eleito pelos funcionários. Num governo do PT, era o nome adequado para presidente, já que deve ser indicado pelo Executivo.