Título: Por trás da convocação extra
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/12/2005, Notas e Informações, p. A3

A provada a convocação extraordinária do Congresso Nacional, ressaltam logo duas questões: a primeira é a comprovação - mais uma - da grande desarticulação do governo, ao não conseguir impedir, pela trégua do recesso, o "esfriamento" da crise que o soterra. A segunda é o alto custo da convocação - R$ 15,2 milhões, incluindo a prebenda extra de R$ 25,6 mil para cada parlamentar. Mas por trás de toda a discussão que se travou, no confronto entre governistas e oposicionistas, tendo por tema a necessidade de aprovação da lei orçamentária, ou a possibilidade ou não de as CPIs funcionarem em pleno recesso parlamentar, está uma distorção profunda de entendimento, de normatização e mesmo de comportamento dos parlamentares federais caboclos, que faz permanecer em plena vigência um privilégio de ociosidade, em nada compatível com as necessidades de trabalho do País e de suas instituições públicas. Esse descabido privilégio se manifesta sob três aspectos: primeiro, na folga a que se permitem os parlamentares por longos três meses - um no meio e dois no fim de ano; segundo, no alto custo, para os cofres públicos, dessas convocações extraordinárias, pois durante esses períodos suas excelências, os representantes do povo, têm que receber remuneração em dobro; terceiro, na tradicional microssemana parlamentar, que vai de terça a quinta-feira (e olhe lá!).

Seria fastidioso aqui apontar - como já o fizemos inúmeras vezes - a enorme disparidade entre a noção de trabalho dos representantes dos cidadãos e a dos próprios cidadãos. A qualquer cidadão habitante deste país - e quem sabe deste planeta - que se oferecesse um emprego com alto salário, com direito a trabalho de apenas três dias por semana e férias de três meses por ano causaria uma reação de espanto semelhante à de quem é convidado a um passeio por um extraterrestre. É claro que sempre haverá a justificativa parlamentar, referida à necessidade de "contatos com as bases".

Convenhamos que essa desculpa vem do tempo em que eram difíceis as ligações telefônicas interurbanas, não havia possibilidade de comunicação imediata via internet, celulares, teleconferência e demais mecanismos de contato (imediato) propiciados pela evolução tecnológica. Se, hoje em dia, a melhor forma de um eleitor conseguir chegar a seu representante parlamentar é pela via do e-mail, por que não haverá o detentor de mandato popular de também dar preferência a esse bem menos oneroso sistema de contato com seu eleitor?

No Congresso existem em tramitação alguns projetos, tanto reduzindo o período do recesso parlamentar quanto aumentando os dias de trabalho da semana e até eliminando o pagamento de remuneração extra, caso as casas legislativas tenham que trabalhar durante os recessos, de meio ou fim de ano. As constantes promessas de mudança, na sistemática de funcionamento do Legislativo, tendo em vista aumentar sua eficiência - e, assim, corresponder ao que dele espera a sociedade - não são cumpridas porque os ilustres parlamentares acreditam na "memória curta" dos eleitores. É evidente que não escapa a qualquer parlamentar, independentemente do partido a que pertença, o profundo desgaste que significa, sobretudo, a remuneração dobrada nos períodos de convocação extraordinária. Mas passam-se esses períodos, outros assuntos ou crises tomam conta do noticiário e ninguém mais fala no assunto - até o próximo recesso. Agora, o presidente da Câmara dos Deputados diz que pretende mudanças - redução do recesso e fim da remuneração extra - em janeiro. Será?!?

É notório que tem havido um desgaste generalizado da imagem do Parlamento, perante os cidadãos. Na verdade, não podemos dissociar esse desgaste do que também atinge os outros poderes de Estado. Mas não seria este um oportuníssimo momento para melhorar a imagem do Legislativo, se seus próprios integrantes, sponte sua, fizessem passar em suas Casas uma nova lei disciplinadora e moralizadora, no tocante ao próprio trabalho dos legisladores? Será que a redução drástica do período de recesso parlamentar, o cancelamento definitivo de remuneração extra, nos períodos de convocação extraordinária, e a simples introdução do trabalho de segunda a sexta-feira, para os representantes do povo, não significariam um alento ético para um eleitorado dele tão necessitado?