Título: O futuro do petróleo
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/12/2005, Notas e Informações, p. A3

Auto-suficiência de petróleo é uma meta que já deveria ter sido alcançada pela Petrobrás, não fossem os desvios de finalidade da empresa registrados principalmente a partir dos tempos em que o general-presidente Ernesto Geisel decretou que o Brasil era uma ilha de tranqüilidade em meio a um mundo abalado pelo choque do petróleo. Após sucessivos adiamentos, a Petrobrás tem novo prazo para anunciar a "auto-suficiência sustentável": o primeiro trimestre de 2006. A produção nacional de petróleo alcançará 1,85 milhão de barris/dia, para um consumo de 1,8 milhão de barris diários. Haverá um pequeno excedente, de início, que a Petrobrás pretende ampliar - capaz de acompanhar o crescimento da capacidade produtiva da indústria nacional - com a entrada em operação de novos sistemas de produção.

Ao anunciar a proximidade da meta da auto-suficiência, o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, afirmou que a partir do início do próximo ano a economia nacional ficará mais independente das condições do mercado internacional do petróleo, podendo haver uma separação entre os preços doméstico e internacional da commodity.

A Petrobrás já teve uma política de preços de derivados que acompanhava as flutuações dos preços internacionais. Mas, durante o governo petista, as autoridades tiveram o bom senso de administrar os preços internos sem levar em consideração as bruscas oscilações provocadas pela especulação nos mercados spot de petróleo. Nos últimos dois anos, os preços do diesel e da gasolina foram reajustados apenas quatro vezes, num total acumulado de cerca de 28%, enquanto o barril do petróleo oscilou entre US$ 40 e US$ 70, estabilizando-se próximo dos US$ 60. Com isso, evitou-se que a turbulência do mercado internacional pressionasse os preços internos.

Mas essa não é uma política que possa ser seguida indefinidamente, com ou sem auto-suficiência. O petróleo é uma commodity global, cujo preço depende da procura e da oferta em escala mundial. Mesmo produzindo o suficiente para o consumo interno, a Petrobrás terá de comprar petróleo no exterior, para atender às necessidades das plantas nacionais, que refinam petróleo leve. Além disso, a Petrobrás tem de se manter capitalizada, não apenas porque é uma empresa que precisa dar lucros a seus acionistas, mas porque precisa continuar pesquisando e explorando novas jazidas, inclusive no exterior.

A Petrobrás não pode, também, preocupar-se unicamente com o momento presente. A empresa estatal, mesmo já não sendo um agente monopolista - pelo menos do ponto de vista legal -, tem a missão de abastecer o País de petróleo e o futuro não é dos mais promissores.

As reservas internacionais recuperáveis de petróleo - ou seja, o óleo que pode ser extraído economicamente, a preços de hoje -, segundo cálculos conservadores, bastam para cerca de 34 anos de consumo. Já as reservas provadas equivaleriam ao consumo de cerca de 75 anos, mas, para que sejam utilizadas, o preço do barril deveria chegar às culminâncias dos US$ 200.

Mas esses são cálculos para as calendas. O que importa é que o Departamento de Energia dos Estados Unidos acaba de refazer suas projeções e chegou a resultados pouco auspiciosos. O preço do barril, que até 2025 deveria cair para US$ 31, agora é estimado entre US$ 54, em 2025, e US$ 57, em 2030. A demanda global, atualmente em torno de 82 milhões de barris/dia, poderá chegar a 111 milhões, em 2025. E a Opep, que se estimava que aumentaria sua produção em 74%, deverá produzir um adicional de apenas 44%, até 2025.

Segundo o senso comum, os programas de conservação de energia evitariam o agravamento do quadro. Mas o senso comum engana. Os automóveis fabricados em 1972 consumiam 60% mais gasolina do que os fabricados hoje; os novos refrigeradores consomem 55% menos energia; e hoje gasta-se 55% menos petróleo e gás para gerar a mesma porcentagem do PIB que se gastava em 1973. Naquele ano, a China tinha um PIB de US$ 140 bilhões e consumia 1 milhão de barris/dia; agora tem um PIB de US$ 7,3 trilhões e consome 6,5 milhões de barris/dia. Ou seja, a eficiência não reduziu o consumo.