Título: Uruguai teme um Mercosul inócuo
Autor: Ariel Palacios, Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/12/2005, Economia & Negócios, p. B4

Presidente Tabaré Vásquez quer que o bloco do Cone Sul seja mais amplo e melhor, no qual não haja 'diálogos de surdos'

O presidente do Uruguai, Tabaré Vázquez, alertou ontem para o perigo de o Mercosul se transformar numa organização inócua: "Se não for examinado nem avaliado de forma permanente, (o bloco) corre o risco de se transformar num projeto cômodo e inócuo". No discurso de encerramento da 29.ª reunião de cúpula de presidentes do Mercosul, Tabaré admitiu que o bloco do Cone Sul tem uma agenda pendente, e que é preciso "obter um Mercosul mais amplo e melhor". Ao comentar as crises internas do Mercosul, o presidente uruguaio afirmou: "É natural que haja falta de acordo, mas o que não pode acontecer é a falta de diálogo ou o diálogo de surdos, nem podem ocorrer definições pela metade ou por debaixo da mesa". Tabaré sustentou que o Mercosul "não é uma jaula de ouro nem tampouco um clube esportivo na qual estão inscritos (sócios) aspirantes, VIPs etc. Todos temos os mesmos direitos. Tampouco somos uma reunião para fazer uma foto familiar a cada seis meses".

O chanceler uruguaio, Reynaldo Gargano, celebrou a entrada da Venezuela no bloco com o inusitado status de "membro pleno em processo de adesão". Segundo Gargano, a Venezuela permitirá uma comunicação maior do Mercosul com os países latino-americanos. O chanceler ressaltou que a entrada da Venezuela foi aprovada por unanimidade.

Ele também criticou os governos da região, afirmando que existem na área "200 milhões de habitantes vivendo num nível de pobreza extremo, o que é um sinal da incapacidade para resolver nossos problemas. Só trabalhando duramente podemos superar isto".

LULA

Em seu discurso, o presidente Lula afirmou que o Brasil "financia e dá garantias a 43 projetos de integração física desde 2003". Entre as obras estão a duplicação da chamada estrada do Mercosul (a BR-116), a construção de uma segunda ponte sobre o Rio Paraná e a termoelétrica de São José, no Uruguai".

Segundo ele, "é preciso consolidar uma política industrial comum para dar dinamismo e avançar a inserção da região no mundo". O presidente sustentou que a construção naval poderia ser o modelo de integração produtiva. "No primeiro semestre de 2006 o governo brasileiro vai escolher pelo menos um projeto produtivo, para que seja integrado ao Mercosul e à Venezuela. É um estímulo para o novo paradigma de desenvolvimento regional".

Lula ressaltou a importância do Parlamento do Mercosul, que começaria a funcionar, de maneira embrionária, a partir de dezembro de 2006 (e de forma plena a partir de 2011).

"É preciso determinação para dotar o Mercosul de um braço executivo mais forte", disse Lula, acrescentando que Montevidéu "tem todas as condições para transformar-se na Bruxelas do Mercosul", em alusão à capital belga, onde estão instalados os principais organismos da União Européia. Ele saudou a entrada da Venezuela, e disse esperar que ela ocorra sem traumas.

'EL DIABLO

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, atacou a mídia sul-americana de forma generalizada, afirmando que ela costuma ser "fascista". Ele disse que um jornal brasileiro, não especificado, o havia chamado de "el diablo" (o diabo).

Segundo Chávez, a CIA sabotou satélites venezuelanos durante a tentativa de golpe de abril de 2002, quando foi preso e depois liberado pelas forças legalistas.

Como todos os presidentes, Chávez tinha 10 minutos para discursar, mas ele falou por 43 minutos. No longo discurso, convocou os presidentes dos sócios do bloco do Cone Sul a praticar "uma maior dose de planejamento estratégico"e a começar a pensar como será o Mercosul daqui a 20 anos. Segundo Chávez, essa falta de planejamento "é decorrente da década neoliberal, os anos 90".

Invocando a proteção divina, ele disse que assinava a adesão da Venezuela ao Mercosul em nome de Deus.

GASODUTO

Após a assinatura de acordos entre a Venezuela, Brasil e Argentina, Chávez comentou que a estatal petrolífera PDVSA financiaria metade da construção do ambicioso gasoduto que pretende ligar a Venezuela com a Argentina, através do território brasileiro.

Lula, imediatamente, prometeu: "A Petrobrás pode financiar a outra metade". Lula e Chávez então olharam para Kirchner, que, sem contar com uma estatal petrolífera de peso que pudesse financiar a obra, mantinha-se calado.

"E você, não vai gastar nada? Vai ficar com a energia?", perguntaram, atônitos, os dois presidentes ao argentino.

O presidente Kirchner, maroto, respondeu apenas com um sorriso.