Título: Lula avisa a embaixadores que vai reforçar agenda terceiro-mundista
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/01/2006, Nacional, p. A4

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem, durante encontro no Palácio do Planalto com 70 embaixadores brasileiros, que não vai mudar os rumos da política externa terceiro-mundista. Ao contrário, recomendou que suas diretrizes sejam intensificadas ao longo de 2006. A agenda de viagens de Lula neste início de ano confirma tal prioridade: ele vai à Bolívia e à Venezuela neste mês - antes de passar pelo Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça - e fará em fevereiro mais um périplo pela África. No encontro de ontem, havia na platéia tanto diplomatas em serviço no Brasil como no Exterior. Participaram os três auxiliares do presidente que elaboraram a atual política: o chanceler Celso Amorim, o secretário-geral das Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães, e o assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia.

"O presidente Lula reiterou que este ano é de eleição, mas que o governo vai continuar a ser governo, como tem de ser. Não só em questões internas, nos seus programas sociais, mas também no plano internacional", relatou Amorim. "A orientação é intensificar (a política externa). Acho difícil intensificar mais ainda. Só se eu não dormir mais", completou, logo depois de ter recebido o ministro dos Negócios Estrangeiros da Austrália, Alexander Downer.

A linha central da política externa do governo Lula está no estreitamento das relações do Brasil com outras economias em desenvolvimento e com as mais pobres - a chamada Cooperação Sul-Sul. Nesse contexto, a prioridade de Brasília foi concentrada no Mercosul - a partir do eixo Brasil-Argentina - e seguiu para a integração sul-americana. Paralelamente, estendeu-se para a África, que Lula já visitou quatro vezes, América Latina e o Oriente Médio.

PILOTO AUTOMÁTICO

Nessa orientação, as relações com as economias mais desenvolvidas - Estados Unidos e União Européia, em especial - foram postas em uma espécie de "piloto automático", sem iniciativas mais consistentes de aproximação. Mas o presidente destacou que quer preservar seu diálogo com o presidente americano, George W. Bush, que o visitou no início de novembro em Brasília. A visita foi lida como um sinal de confiança de Washington na atuação do governo brasileiro na América do Sul - em especial, na sua relação com a Venezuela.

No encontro, a balança comercial brasileira, que registrou em 2005 o recorde histórico de US$ 188,3 bilhões em exportações, foi mencionada por Lula como uma prova do acerto de sua política exterior. O presidente enfatizou os dados sobre a ampliação dos embarques para países da Associação Latino-Americana de Integração, que cresceram em 29,6% no ano passado, em comparação com 2004. Essas vendas somaram US$ 25,428 bilhões e, como ressaltou Lula, superaram as exportações brasileiras aos Estados Unidos, de US$ 22,741 bilhões.

O presidente lembrou que esses dados não foram "gratuitos". Teriam sido a conseqüência, como relatou Amorim, de sua aposta na maior cooperação com as economias em desenvolvimento e também de suas viagens internacionais, duramente criticadas no País. "Ao contrário do que se diz, as viagens do presidente trouxeram muitos dólares e euros para o Brasil", insistiu o chanceler.

O presidente ainda assinalou para os embaixadores que a criação do G-20 - a frente de economias em desenvolvimento que exige resultados mais amplos sobre a liberalização agrícola e o fim de subsídios ao setor na Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) - foi "fator fundamental' para que essa negociação não acabasse em um acerto comum entre os países mais ricos, EUA e União Européia.

A quitação da dívida de US$ 135 milhões do Brasil com a Organização das Nações Unidas (ONU), anunciada anteontem, foi apresentada como uma decisão positiva, mas com o cuidado de não vinculá-la à ambição de conquistar um assento permanente para o Brasil no Conselho de Segurança da ONU. Amorim já deixou claro que esse objetivo não morreu. "Apesar de não ter havido uma solução em 2005, esse é um problema que ainda terá de ser enfrentado, afirmou.

Nas Nações Unidas, formalmente, a discussão a respeito continua em aberto. Ontem, o ministro australiano reiterou o apoio de seu governo ao ingresso do Brasil nessa limitada instância de poder e, no mesmo tom defendido pelo Itamaraty, argumentou que o Conselho de Segurança tem de refletir o mundo de 2005, e não mais o de 1945. "O Brasil tornou-se um líder entre os países em desenvolvimento", afirmou Downer.