Título: Não é apenas questão de vencer ou perder
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Fonte: O Estado de São Paulo, 10/12/2005, Internacional, p. A22

Em meses recentes tornou-se prática comum falar sobre o que será necessário para "vencer" - ou o que significaria "perder" - a guerra no Iraque. O ritmo dessa conversa está sendo acelerado. Na semana passada mesmo, o presidente Bush publicou uma Estratégia Nacional para a Vitória no Iraque. O secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, também garantiu ao Congresso que "não estamos perdendo esta guerra". Da mesma forma especialistas no setor sustentam que o conflito no Iraque "não é uma guerra que os Estados Unidos possam ganhar".

Mas e se todo esse vocabulário - vencer, perder, vitória, derrota - estiver simplesmente fora de lugar? Há, no fim das contas, guerras que na realidade não são ganhas ou perdidas. Há guerras que atingem alguns de seus objetivos, que resultam apenas em soluções parciais e deixam muitos negócios inacabados. Há guerras que não terminam com helicópteros retirando americanos do telhado da embaixada, mas também não produzem uma marcha vitoriosa sobre Berlim. Há guerras que terminam de forma ambivalente - guerras, por exemplo, como a que combatemos na Coréia.

Eu acelerei para explicar que a comparação entre Iraque e Coréia não vem do nada. Foi sugerida implicitamente e explicitamente pelo próprio governo Bush. Em um discurso no ano passado, o vice-presidente Dick Cheney falou de Harry Truman, o presidente que nos levou para a Coréia, como um modelo do "tipo de liderança exigido para defender a liberdade em nossa época".

Rumsfeld também indicou que Truman, como Bush, sofreu de baixa aprovação popular por causa da guerra da Coréia: "Naquela época uma grande parcela da população questionou se os jovens americanos deveriam enfrentar a morte e ferimentos na Coréia, milhares de milhas longe de casa, por um resultado que parecia incerto, na melhor das hipóteses. Hoje a resposta é a pujante Península da Coréia, mas na verdade a guerra apenas manteve o status quo. O governo sul-coreano era independente, mas não forte o bastante para sobreviver sem a presença militar americana. A China vermelha, como a chamávamos naquela época, provavelmente foi fortalecida pela guerra, assim como o tirânico ditador norte-coreano, Kim Il Sung.

Cinqüenta anos mais tarde, um fato tornou-se mais que evidente: a Coréia do Sul é uma democracia, um sucesso econômico. É a prova de que estava certo combater o comunismo e evitar que se espalhasse. E a Coréia do Norte, que não conseguimos trazer de volta para a democracia, não só continua sendo uma das ditaduras mais repressivas e paranóicas do mundo, como também se tornou uma potência nuclear, uma ameaça contínua para seus vizinhos. Coisas boas surgem da guerra. Coisas ruins também.

O Iraque não é a Coréia, claro, e o Oriente Médio não é a Ásia. Mas é perfeitamente possível que os dois conflitos possam eventualmente se parecer na ambivalência de suas conclusões. Embora tanto o governo americano quanto seus oponentes antiguerra falem como se devesse haver soluções excludentes para o Iraque - ou a democracia ou o fascismo islâmico - é perfeitamente possível que acabemos ficando com ambas. Podemos de fato criar o primeiro verdadeiro regime democrático árabe, com uma imprensa independente, eleições e uma cultura política relativamente liberal. Mas podemos também, ao mesmo tempo, fortalecer a Al-Qaeda e seus aliados islâmicos radicais, no Iraque e em toda a região. Podemos criar um Iraque mais empreendedor e globalmente integrado que pode inspirar reformas econômicas no Oriente Médio. Podemos criar também um profundo ressentimento internacional antiamericano que atinja nossa habilidade em conduzir qualquer coisa desde negociações comerciais a contra-informação durante as próximas décadas.

É possível até, no fim das contas, que nós realmente iremos ajudar a trazer à luz uma nova geração de reformistas árabes democráticos no Oriente Médio - e que precisaremos manter os soldados na região durante cinco décadas para defendê-los. Semelhante desfecho significa que a guerra foi uma "derrota"? Não necessariamente. Significaria que a guerra foi uma vitória? Não exatamente. Podemos, o país que inventou o final feliz de Hollywood, viver com essa conclusão? Difícil imaginar, mas talvez não tenhamos escolha.