Título: A Al-Qaeda quer ter a bomba
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Fonte: O Estado de São Paulo, 10/12/2005, Internacional, p. A20

Baradei, que hoje recebe o Nobel da Paz, diz que rede tentou adquirir arma nuclear

O diretor da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Mohamed El-Baradei, recebe hoje o prêmio Nobel da Paz que ganhou em conjunto com a entidade que representa. Confira abaixo o que pensa Baradei sobre temas como terrorismo, Irã e Coréia do Norte. A Coréia do Norte anunciou há algumas semanas que já é uma potência nuclear. Pyongyang tem realmente a bomba? E se tiver, qual o risco de que o ditador Kim Jong-il venha a usá-la?

Estou extremamente preocupado com os desdobramentos na Coréia do Norte, embora não possa dizer com absoluta segurança que o país já tenha uma arma nuclear utilizável. Eles certamente têm o know-how e plutônio suficiente para pelo menos seis a oito bombas. Pouco mais de dois anos atrás, tivemos de encerrar nossas atividades de monitoramento no local e fomos expulsos do país. Isso deu tempo aos norte-coreanos para continuar desenvolvendo um programa nuclear militar. Mas eles também podem estar exagerando. O regime aparentemente vê a bomba nuclear como seu único trunfo para negociações.

Como o mundo descobrirá se Kim está blefando? E se não está, como poderemos desarmar sua bomba?

Só há uma solução. As instalações nucleares da Coréia do Norte precisam voltar a ser supervisionadas pela AIEA. Pyongyang aparentemente se sente isolada no plano internacional, militarmente ameaçada e em uma situação econômica desesperada.

Por culpa exclusivamente sua.

Seja como for, o regime só poderia ser convencido a desistir de suas armas nucleares com uma solução de conjunto abrangente alcançada por meio de negociações, uma solução que se ocupe desses temores e também ofereça incentivos econômicos.

O sr. supõe que Kim Jong-il não é um aventureiro inescrupuloso e cabeça-quente, ou mesmo um lunático, mas um político friamente calculista.

Devo admitir que ele está interessado em melhorar a qualidade de vida em seu país. Afinal, um colapso colocaria em sério risco a sobrevivência de seu regime. Eu lhe peço com insistência para permitir o retorno da AIEA à Coréia do Norte. E se for necessário um gesto especial, ficaria feliz de ir lá pessoalmente.

A administração Bush parece se preocupar mais com o programa nuclear do Irã do que com o da Coréia do Norte. O governo iraniano afirma que só está interessado na energia nuclear para fins civis. Mas o ex-diretor da CIA, James Woolsey, diz que "não há sombra de dúvida" de que os líderes do Irã estão tentando construir suas próprias armas nucleares. Quem está certo?

Para nós da AIEA, faltam evidências conclusivas. Ainda precisamos ver a arma fumegante que condenaria o Irã. Posso fazer suposições sobre intenções, mas não posso verificar intenções, apenas fatos.

Mas o Irã mentiu para sua agência e a tem enganado repetidamente. Por exemplo, o mundo só descobriu sobre a instalação nuclear de Natanz por informações de dissidentes iranianos. Os linhas-duras do governo Bush acusam o sr. de estar sendo inexplicavelmente brando com os iranianos.

Não está em discussão se o Irã mentiu ou enganou no passado. Deixamos isso muito claro em nossos relatórios. Nesse ínterim, porém, o Irã melhorou sua cooperação, que, como signatário do Tratado de Não Proliferação Nuclear, ele é obrigado a oferecer. Em resposta a nossa pressão, no ano passado o país assinou também o protocolo suplementar que nos permite realizar inspeções mais abrangentes com notificação de curto prazo. Estou orgulhoso do que realizamos no Irã. Há oito meses, o país era mais um buraco negro para nós...

O que mostra o quanto as inspeções da AIEA falharam...

Mas agora temos um quadro bastante claro do que está acontecendo por lá.

Temos? Ou o jogo de esconde-esconde apenas assumiu uma forma nova, mais refinada? Dificilmente algum especialista europeu estaria disposto a acreditar nas afirmações provenientes de Teerã. Afinal, o Irã tem petróleo e gás natural em quantidades suficientes para poder dispensar a energia nuclear.

Há uma explicação técnica para tudo. E não estou dizendo que os governantes do Irã não estão interessados em adquirir armas nucleares. Se decidiram ter um programa secreto de armas nucleares - do qual nós não encontramos nenhuma evidência até agora - eles provavelmente terão uma bomba em dois ou três anos. Eles com certeza possuem o know-how e a infra-estrutura.

Os americanos e os israelenses dificilmente permitirão que isso aconteça. Isso deixa apenas a opção militar, que o presidente George W. Bush não rejeita. Mas será realmente possível destruir instalações nucleares do Irã com mísseis? Elas não são amplamente dispersas e, em alguns casos, subterrâneas?

Não acredito que ataques militares possam resolver esse problema. Depois do ataque, os iranianos partiriam para a produção subterrânea com a maior urgência.

Qual o melhor modo de dissuadi-los de adquirir armas nucleares?

Precisamos das inspeções da AIEA. Mas também de iniciativas diplomáticas, como as de Londres, Paris e Berlim, que merecem meu apoio. Mas, em minha opinião, elas só podem ser bem-sucedidos se os EUA aderirem e jogarem seu peso por trás da Europa.

Isso parece improvável. Por um lado, Teerã está dificultando as coisas para os europeus porque está tentando ganhar tempo durante as negociações e não está fazendo qualquer concessão visível. Por outro, o governo americano se recusa a usar cenouras com os iranianos, somente porretes.

O Irã está interessado em maior segurança militar, alívio econômico e transferência de tecnologia. Seria difícil imaginá-lo fazendo qualquer avanço nessas áreas sem Washington. Teerã quer entrar na Organização Mundial do Comércio, mas isso depende dos EUA, que impuseram um embargo comercial ao Irã anos atrás.

Apesar dos erros americanos, certamente não podemos ter uma situação em que países como Coréia do Norte e Irã sejam efetivamente recompensados por violar compromissos internacionais. Ou será que o sr. compartilha a visão, sustentada por muitos países do Terceiro Mundo, de que o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nuclear (TNP) de 1968 é injusto porque sancionou as cinco potências nucleares existentes e tirou das não possuidoras o direito de adquirir armas nucleares ?

O TNP só legitimou o arsenal das potências nucleares existentes porque estas também concordaram em se desarmar e transferir seu conhecimento sobre usos civis de energia nuclear. Houve alguns avanços animadores na direção do desarmamento no fim dos anos 80 e início dos 90, mas eles quase chegaram à uma paralisação. Existem hoje dezenas de milhares de armas nucleares - um exagero. A atual discussão americana sobre as mini-armas nucleares arrasa bunkers também contradiz o espírito do tratado. A esse respeito, posso compreender as críticas do Terceiro Mundo. Por outro lado, é claro, não podemos ter constantemente mais pessoas aparecendo e tentando chantagear todos os demais com armas nucleares, reais ou virtuais. Ou que eles acreditem que este é o única modo de garantir a própria segurança.

E ssas pessoas provavelmente estão dizendo para si mesmos que o mundo aceitou, sem objeção, o fato de que Índia, Paquistão e Israel se tornaram potências nucleares.

Em cada caso individual, precisamos tentar entender o que motiva um país a tomar essa medida, que humilhação nacional, quais preocupações de segurança. E precisamos tentar dissipar esses temores. Caso contrário, dado o ritmo dos avanços tecnológicos, teremos 20 novas potências nucleares em 20 anos.

O risco de uma arma nuclear ser efetivamente usada já foi maior do que é hoje?

Nunca. Chegaremos mais perto de uma guerra nuclear se não estudarmos um novo sistema de controle internacional. Três fenômenos mudaram radicalmente o mundo nos últimos anos. Primeiro, temos os esforços tenazes de alguns países para dominar a tecnologia da produção de material físsil apropriado para armas; segundo, o desenvolvimento de um mercado negro internacional; e, por último, a intenção declarada de terroristas de obter armas de destruição em massa.

O sr. acredita realmente que uma organização terrorista possa construir armas nucleares?

A Al-Qaeda também quer a bomba. Segundo documentos encontrados no Afeganistão, a organização estava buscando algumas maneiras de adquirir essas armas. Não há indícios de que tenham conseguido. Tampouco há evidências de que terroristas, na confusão que se seguiu ao desmantelamento da União Soviética, conseguiram pôr as mãos em quantidades significativas de material nuclear. Mas essa possibilidade não pode ser descartada. Terroristas provavelmente detonariam a bomba. É da natureza de sua ideologia que eles não poderiam ser dissuadidos de fazê-lo. Cruzo os dedos para que esse cenário jamais aconteça.

ENTREVISTA

MOHAMED EL-BARADEI

DIRETOR DA AIEA

A Coréia do Norte só

será convencida a desistir de suas armas nucleares com uma solução de conjunto abrangente¿¿

Se o Irã decidiu ter seu programa de armas

nucleares, do qual não

temos evidências, deverá ter uma bomba em 2 anos¿¿

Chegaremos mais perto de uma guerra nuclear se não estudarmos um novo programa de controle

internacional¿¿

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