Título: Procurador quer parar obras da Transnordestina
Autor: Expedito Filho
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/12/2005, Nacional, p. A16

Paulo Serejo considera ilegal modo como governo tenta repassar verbas de R$ 4 bilhões; governo não quis recorrer a Medida Provisória para evitar o Congresso

A ferrovia Transnordestina, que é tão importante para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva como foi rodovia Norte-Sul para o governo José Sarney, poderá ser suspensa pela Justiça. O procurador da República e ex-corregedor geral da União Paulo Serejo entrou, ontem, com um pedido no Ministério Público para paralisar o repasse de R$ 4 bilhões, oriundos do FNDE, Finor, BNDES e BNDESPar, destinados à construção da ferrovia. Na avaliação do ex-corregedor, o governo acabou atropelando normas técnicas e jurídicas para iniciar a obra. Entre elas, segundo Serejo, está o uso indevido de um decreto de lei editado pelo presidente para liberar o dinheiro desses órgãos quando legalmente o recomendado seria baixar uma medida provisória propondo a cumulação de fundos da União.

"A ilegalidade está no uso do decreto. A medida provisória é votada no Congresso Nacional e decreto quem assina é o presidente da República", afirma o ex-corregedor. Ele conta que assessores do Palácio do Planalto chegaram a recomendar que o presidente adotasse a medida provisória para evitar a ilegalidade, mas o conselho não foi seguido. "Apesar de estudos para a reunião de fundos se desse via MP, eles optaram pelo decreto. Está claro que o interesse é o de não submeter ao Congresso Nacional", afirmou.

O ex-corregedor disse que está convencido de que o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, foi obrigado a aceitar assinar o protocolo para construção da ferrovia por essa tortuosa via legal. "Isso está cheirando mal. O governo decidiu pelo decreto em novembro no momento em que o ministro Palocci era submetido a um intenso processo de fritura", observou Serejo.

Ele conta que toda alteração não foi feita de uma vez só. E que o governo estava dividido. Palocci estava tão fraco que acabou perdendo no duelo para o ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes.

A ferrovia Transnordestina seria um empreendimento privado. Mas a construção vai ser bancada em grande parte pelo Estado. Um total de R$ 3,95 bilhões serão repassados pelo FNDE, Finor, BNDES e BNDESpar. O consórcio privado, liderado pelo empresário Benjamim Steinbruch, com a participação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), da Taquari Participações, da Companhia Ferroviária do Nordeste, além da própria Transnordestina, entrará com apenas R$ 500 milhões. "Note-se que o financiamento da expansão ferroviária contará com R$ 3,95 Bi de recursos públicos, cabendo à iniciativa privada R$ 550 milhões, isto é, oito vezes menos", assinalou Serejo.

Segundo o ex-corregedor, desse total caberá a gestora do FNDE empregar R$ 2,05 bilhões. Em suas contas, juntos BNDES e BNDESPAR entram com R$ 400 milhões, além de assegurar a liberação pelo Tesouro Nacional das opções do Finor, no valor máximo de R$ 1,5 bilhão. "O projeto de expansão da malha ferroviária é bom e necessário, pois é condição para o escoamento da produção de grande parte do interior brasileiro. O problema, entretanto, como se verá, é a forma como ele está sendo executado", disse Serejo lembra ainda que a ilegalidade ocorreu no momento em que o Congresso ainda discutia a recriação da extinta Sudene. Na sua argumentação, ele observa que a empresa Transnordestina S.A., que é controlada pela ferrovia do Nordeste, de propriedade privada, passará de controlada a controladora com os recursos da nova Transnordestina. "O acionista majoritário seria Steinbruch, controlador da CSN e da Taquari participações, as duas outras empresas privadas do empreendimento", disse.

No Congresso, a possibilidade de a Transnordestina ser suspensa pegou de surpresa os senadores. Eles querem saber porque o governo optou por decreto e não por MP e ainda de que forma o dinheiro público está financiando a empreitada. "Se é a fundo perdido tromba de frente com a mais moderna proposta da nova Sudene. Isso tem de ser levado a discussão que nasce confrontando com a Sudene", ponderou o senador Agripino Maia, líder do PFL no Senado.