Título: Relatório aponta ação indevida de corretoras
Autor: Mariana Caetano
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/12/2005, Nacional, p. A10

No fim de cada dia, elas arbitrariam os piores preços para fundos e os melhores para um grupo de clientes

O relatório apresentado nesta semana pelo deputado Antônio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA) sobre as perdas de R$ 729 milhões dos fundos de pensão no mercado de derivativos (negócios que definem preços para o futuro) entre 2000 e 2005 causou grande polêmica. Na análise das operações que geraram essas perdas, observou-se que houve desvio na chamada prática de alocação. Ou seja, no momento da identificação do investidor e do preço da operação determinada por ele. Durante o dia, as corretoras realizam uma enormidade de operações por ordem de seus clientes, entre eles, os fundos de pensão. Nesse período, enquanto as operações estão ocorrendo, só as corretoras têm informações sobre o preço exato. Os clientes desconhecem os preços pelos quais as corretoras executam as ordens deles. O que o relatório de ACM Neto constatou foi que no final de cada dia as corretoras, ao realizar o balanço das operações, arbitravam os piores preços para os fundos e os melhores para um grupo de clientes. Assim, os fundos eram prejudicados.

A perda total registrada pelos fundos não significa necessariamente prejuízo. Isto porque o relatório divulgado não considerou eventuais ganhos em outras operações que podem ter gerado lucro aos fundos. Não houve um cruzamento das operações. Por isso, o relatório, como afirmou ACM Neto, é parcial. Em geral, essas operações no mercado de derivativos são feitas para proteger o investidor de eventuais prejuízos em negócios realizados no mercado à vista.

Segundo o deputado, o que interessa à CPI é investigar por que eram recorrentes os desvios de atribuição dos preços piores para os fundos de pensão, na chamada alocação. Ele reconhece e até enfatiza que perdas dos fundos em operações de derivativos não necessariamente significam prejuízo, para os casos em que estavam casadas com outras operações para proteger o investidor de eventuais perdas, ou seja, das operações de hedge. "Mas vale lembrar que o fundo pode ter feito hedge e ter ocorrido desvio na alocação", afirma ACM Neto. Ou seja, a irregularidade existiria independentemente da natureza da transação executada pela corretora.

O relatório expôs uma situação recorrente nas operações que tinham como investidores os Fundos de Pensão. A partir de agora, a CPI vai investigar se as corretoras faziam isso por conta própria ou por determinação dos próprios fundos. O deputado estranha o fato de os fundos, nesse período de 2000 a 2005, apesar dos prejuízos não terem trocado de corretoras.

Outra fonte de perdas para os fundos, de acordo com o relatório preliminar, foram as operações com títulos públicos, que são registradas no Sistema Eletrônico de Liquidação e Custódia. O relatório explica que as perdas ocorriam de duas formas. Na primeira, o fundo vendia um título que tinha em sua carteira por um valor que, ao longo do dia, se mostraria significativamente abaixo dos valores negociados no mercado. Na segunda forma, o fundo comprava um título por um preço acima do que o mercado pagou normalmente pelo mesmo papel naquele dia. Segundo o relatório, as perdas dos fundos com títulos estão estimadas em R$ 54,8 milhões, embora o texto, nesse caso, só compute os anos de 2003 a 2005.

Os derivativos são instrumentos financeiros que têm origem em - derivam de - outros ativos. É mais fácil entender com os exemplos de produtos que, segundo o relatório, foram mais utilizados nas operações dos fundos de pensão: dólar futuro e Ibovespa futuro. O dólar futuro é uma operação em que se define a cotação da moeda em determinado prazo. O Ibovespa futuro é a aposta de quantos pontos estará o índice Bovespa no prazo estipulado. O índice reúne as 57 mais importantes ações negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo. Os derivativos são negociados na Bolsa de Mercadorias e Futuros ou no chamado mercado de balcão.

Os derivativos podem ser usados para proteção do investidor (o hedge) ou para especulação. Por exemplo, alguém que tem uma dívida de R$ 10 mil em dólar e sabe que terá de pagá-la daqui a 30 dias teme uma desvalorização abrupta do real que aumentaria sua dívida. Para se proteger, a pessoa faz uma operação de compra da cotação do dólar futuro com um preço para a moeda no prazo definido. Se o dólar disparar, sua dívida sobe, mas o ganho no contrato futuro compensará a perda.