Título: Brasil busca saída para impasse
Autor: Cleide Silva
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/12/2005, Economia & Negócios, p. B5

Representantes dos governos do Brasil e da Argentina devem interromper o período das festas entre Natal e Ano Novo para uma última tentativa de acordo para o setor automotivo. Uma reunião é esperada para a próxima semana, em dia e local a serem definidos. Na quinta-feira, os argentinos recusaram a proposta brasileira de prorrogar por seis meses o regime especial de comércio de automóveis entre os dois países, provocando novo impasse nas negociações. O acordo em vigor vence dia 31. Sem uma nova regulamentação, as regras do comércio bilateral ficam suspensas e, em tese, o mercado será livre, mas cada país poderá adotar medidas que achar necessárias, como a restrição a produtos do país vizinho. A indústria automobilística brasileira está na expectativa de uma solução "para o bem do setor no Mercosul", como define representante das montadoras que acompanha as negociações.

A recusa foi apresentada pelo secretário da Indústria do Ministério da Economia da Argentina, Miguel Peirano, em reunião realizada no Rio de Janeiro entre representantes dos governos e de fabricantes de veículos de ambos os países.

O setor privado foi surpreendido pela recusa. Já era dada como certa a prorrogação do acordo por seis meses, prazo em que as partes buscariam um entendimento com regras definitivas. O impasse maior está na insistência dos argentinos em não aceitar o livre comércio em 2006, conforme prevêem as regras atuais, e em não querer definir novo prazo. O Brasil já acenou com a prorrogação, mas quer estabelecer nova data, provavelmente 2008.

A única justificativa de Peirano foi a de não ter autonomia para decidir sobre a medida. Em reuniões realizadas nas últimas semanas, entretanto, a ministra da Economia da Argentina, Felisa Miceli, havia manifestado intenção de concordar com a prorrogação.

No início do mês, o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos (Anfavea), Rogelio Golfarb, disse estar preocupado com a situação. "Precisamos adotar uma política industrial competitiva para o Mercosul que atraia novos investimentos", disse. Brasil e Argentina estão perdendo novos projetos para países asiáticos, principalmente a China, e para o leste europeu.

COMÉRCIO

A indústria automobilística, incluindo veículos e autopeças, responde por mais de 30% do comércio entre Brasil e Argentina, que deve totalizar este ano cerca de US$ 15 bilhões. O setor é o único a manter um acordo bilateral. O primeiro foi feito em 1995 e teve validade até 1999. O acordo que vence no fim do mês foi acertado em 2001 e previa liberdade de importação e exportação a partir de 2006.

Ao longo desses anos, ocorreram vários momentos de impasse. Em quase todos, o Brasil cedeu às exigências argentinas por considerar de grande importância a demanda daquele mercado, que este ano deve responder por aproximadamente 20% das exportações brasileiras de veículos e autopeças.

Atualmente, os argentinos reclamam de que 63% dos carros vendidos naquele país são brasileiros e querem restringir a entrada desses produtos. Já no Brasil, a participação de automóveis produzidos na Argentina é de apenas 2,8%. A estratégia das montadoras foi a de concentrar no Brasil a produção de carros pequenos, por causa da escala desse tipo de veículos, mais barato. Já os investimentos no país vizinho são voltados para modelos de maior porte, como o Ford Focus, Toyota Hilux e Peugeot 306.

Entre janeiro e agosto, as montadoras brasileiras exportaram US$ 2,3 bilhões em carros para a Argentina e importaram US$ 1 bilhão, valores que respeitam o acordo atual.

Outra dificuldade que a indústria argentina deve enfrentar é a preferência do mercado brasileiro por carros flexíveis, movidos a álcool ou gasolina. Até novembro deste ano, 51,6% dos automóveis vendidos tinham essa tecnologia, por enquanto exclusiva das empresas do País. O tema, entretanto, ainda não está em pauta nas discussões entre os dois parceiros.

O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior informou ontem não ter ainda uma resposta por parte dos argentinos para novo encontro na próxima semana. Dirigentes da indústria automobilística estão de sobreaviso para, se necessário, viajar à Argentina.