Título: A greve nas federais
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Fonte: O Estado de São Paulo, 10/12/2005, Notas & Informações, p. A3

A greve das universidades federais já dura mais de 100 dias e já é a terceira mais longa da história. Em 2001, elas ficaram paralisadas durante 108 dias. E, em 1998, outra paralisação interrompeu as atividades docentes por 104 dias. Nos últimos 25 anos, foram 16 greves, totalizando 978 dias. Descontados os fins de semana e levando em conta que um ano letivo tem 200 dias úteis, são três anos e meio sem aulas, nesse período. É muita irresponsabilidade.

Além de exigir reposição em janeiro e fevereiro, prejudicando 200 mil estudantes, a atual greve acarretou vários outros problemas graves. Alunos aprovados no vestibular do começo do ano só tiveram um semestre letivo, em 2005. E muitos dos que ingressaram no vestibular realizado em julho só puderam assistir a duas semanas de aula, pois a greve começou em 15 de agosto, no Acre, alastrando-se em seguida para 38 das 55 instituições mantidas pela União.

Desde então, nem o governo conseguiu que reitores cortassem o ponto dos docentes faltosos, nem os grevistas conseguiram ver atendida a pretensão de um reajuste linear de 18% a ser pago ainda este ano a ativos e inativos, além da incorporação aos vencimentos da gratificação de estímulo à docência e o retorno dos adicionais por tempo de serviço. Em setembro, as autoridades educacionais ofereceram um reajuste de 50% no salário-base por titulação docente e se comprometeram a criar o cargo de professor-associado no plano de carreira, uma antiga aspiração do Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior (Andes). Mas as contrapropostas foram recusadas.

Para tentar negociar um acordo, em outubro o Ministério da Educação (MEC) obteve do Ministério do Planejamento R$ 395 milhões para reforçar o orçamento das federais no próximo ano. Em novembro, esse valor foi aumentado para R$ 500 milhões. E, nos últimos dias, o MEC prometeu enviar ao Congresso, em regime de urgência, um projeto de lei que dá às instituições federais de ensino superior R$ 650 milhões para serem incorporados à folha de pagamentos em 2006. Mesmo assim, os grevistas se recusaram a voltar à sala de aula e os reitores continuaram resistindo à ordem do MEC de descontar as faltas.

"O decreto que prevê o corte de ponto está em vigência e deve ser cumprido. Se o ponto não foi cortado até agora é porque os superiores imediatos não estão cumprindo a lei", afirmou o ministro Fernando Haddad. Em defesa dos reitores, o secretário-geral da Andes, Márcio de Oliveira, disse que o governo não poderia mandar cortar o ponto dos grevistas, pois as federais gozam de "autonomia". Trata-se de um sofisma, uma vez que, segundo a Constituição, a autonomia dessas instituições se circunscreve às atividades de ensino, pesquisa e extensão. Em termos administrativos, especialmente em matéria disciplinar, elas não podem situar-se acima da ordem jurídica. Trocando em miúdos, as universidades federais não são repúblicas independentes.

Independentemente do desfecho da greve, o fato é que as federais vêm aumentando de forma preocupante seus gastos com pessoal. Dos R$ 12 bilhões por elas recebidos, em 2005, quase R$ 11 bilhões foram destinados a salários, aposentadorias e pensões. Em valores atualizados pelo IPCA, as despesas com pessoal totalizaram R$ 8,8 bilhões, em 2001. Aumentaram para R$ 9,6 bilhões, em 2002. E atingiram R$ 10,2 bilhões, em 2004. Em termos comparativos, lembra a equipe econômica do governo, as 55 instituições federais de ensino superior devem consumir em 2005 pouco menos que o dobro do que será liberado para o Bolsa Família e demais programas de transferência de renda.

Incapazes de olhar o mundo que está à sua volta e de levar em conta os interesses maiores da sociedade, que é quem as sustenta, as universidades federais estão fechadas em seu universo corporativo. Com reivindicações irreais, do ponto de vista das finanças da União, seu papel e sua autonomia funcional precisam ser inteiramente repensados, para que se adaptem à realidade brasileira e cumpram seu papel de formadoras das novas elites intelectuais, técnicas e gerenciais.