Título: Leilão ameaçado
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Fonte: O Estado de São Paulo, 10/12/2005, Notas e Informaçõeas, p. A3

O Ministério de Minas e Energia (MME) decidiu fazer um derradeiro esforço para salvar o leilão de concessões de novas usinas de eletricidade, marcado para o dia 16, protelando para apenas dois dias antes do evento o prazo de entrega das licenças ambientais dos empreendimentos. Sem as licenças ambientais, as usinas não podem ser construídas. Esta é mais uma prova das incertezas institucionais que predominam no setor elétrico, que convive com um quadro temporário de folga de energia determinado pelos investimentos passados e pela boa situação pluviométrica, que não elimina os riscos de um colapso a partir de 2008.

Neste que será o primeiro leilão de energia nova do governo do Partido dos Trabalhadores, está prevista a licitação de 2.778 MW de geração total em 17 usinas. Quatro delas, porém, segundo o jornal Valor, já estariam descartadas - Baixo Iguaçu e Telêmaco Borba, no Paraná, com capacidade de 350 MW e 120 MW, respectivamente; e Itaguaçu e Mirador, em Goiás, com 130 MW e 80 MW, respectivamente, por falta de tempo hábil para atender às exigências ambientais e aprovar as licenças. Sobraram, assim, 13 projetos. Destes, 7 têm licença prévia e 1 está prestes a receber a licença, perfazendo 1.054 MW; 4 têm licença indefinida ou improvável; e 1 projeto tem licença provável - Mauá, no Paraná, com capacidade de 382,2 MW.

Ao tomar posse, em 2003, o governo Luiz Inácio Lula da Silva decidiu corrigir os rumos da área energética. Transcorrido mais de um ano, um novo modelo foi anunciado pela então ministra Dilma Rousseff. Mas, na prática, uma única grande operação foi concluída - o megaleilão de energia velha realizado em 2004. Além disso, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) promoveu os leilões de concessão de transmissão de energia, todos bem-sucedidos, embora com participação substancial das estatais energéticas, como a Eletrobrás e a Petrobrás. Nesses quase três anos, portanto, não foram atraídos grandes investimentos privados em novos projetos de energia.

Nos últimos dias, as autoridades vêm correndo atrás da obtenção das licenças ambientais que julgam viáveis. Segundo reportagem do jornal Valor, a coordenadora do Comitê de Gestão Integrada do Setor Elétrico, Márcia Camargo, visitou municípios fluminenses que serão atingidos pelas usinas e conversou com prefeitos e vereadores. As usinas de Cambuci e Barra do Pomba "estão em fase final de análise ambiental", declarou Márcia depois de falar com os políticos. Ela também tentou obter licenças para as usinas de Mauá e Salto Grande, no Paraná.

Outras autoridades se esquivam de dar explicações satisfatórias para os atrasos, como o ex-secretário-executivo do MME Maurício Tolmasquim, hoje presidente da Empresa de Pesquisas Energéticas. "Claro que gostaríamos de ter conseguido as licenças antes, mas é o que podemos oferecer", declarou em resposta aos empresários que estão reclamando das alterações de última hora.

O atraso na concessão de licenças ambientais não é o único fator de desestímulo aos empresários privados, como evidenciam as notícias sobre o desinteresse da CPFL Energia, da Tractebel e da Cemig em participar do leilão. Se os preços da energia que será gerada pelas novas usinas não propiciarem remuneração satisfatória, é pouco provável que haja investidores. Especialistas do setor elétrico estimam que a remuneração admitida pelo MME ao fixar os preços máximos de venda da energia não permite uma taxa de retorno superior a 10% ao ano, que os investidores calculam como a mínima necessária para atraí-los.

O que se supõe, portanto, é que as companhias estatais sejam as vencedoras também deste leilão. E isto equivale a deixar de atrair capital estrangeiro num dos segmentos onde ele mais investe em todo o mundo.

Isto atende aos interesses da Eletrobrás. A empresa estatal já manifestou interesse em pelo menos três das usinas hidrelétricas que receberam licença ambiental: Baguari, Simplício e Dardanelos, capazes, conjuntamente, de geração de 704,8 MW. O mais provável é que, do ponto de vista da atração do capital privado, o leilão apresente resultado medíocre.