Título: 'Vão pensar que cientista é como político'
Autor: Herton Escobar
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/12/2005, Vida&, p. A22

Pesquisadores brasileiros se dizem surpresos e frustrados

Pesquisadores brasileiros que trabalham com células-tronco receberam com surpresa e frustração a notícia sobre a retratação da pesquisa sul-coreana. "Se eles falsificaram mesmo os resultados, é gravíssimo", disse a geneticista Mayana Zatz, diretora do Centro de Estudos do Genoma Humano da Universidade de São Paulo (USP). A pesquisa produziu uma grande expectativa mundial quanto à possibilidade do uso da clonagem terapêutica no tratamento de doenças. Uma expectativa que, agora, poderá se transformar em descrença, desconfiança e frustração. "Vão pensar que cientista é que nem político", lamenta o pesquisador Marco Antonio Zago, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP. "É algo muito ruim para a ciência. Cria uma sensação de insegurança em uma área onde já há muita discussão."

Para Lygia Pereira, também da USP, a idéia de que a pesquisa foi forjada soa como "loucura". "Todo mundo sabe que em ciência qualquer mentira tem perna curta", disse.

Um dos requisitos básicos para validação de um experimento científico é que, depois de publicado, ele possa ser reproduzido por outros laboratórios. Se a mentira não é detectada no processo de revisão para publicação, portanto, acaba sendo descoberta, invariavelmente, na replicação dos resultados. "Você pode ter seus dois minutos de fama, mas está fadado a ser desmascarado", afirma Lygia.

PROMESSA

A grande expectativa em torno das células-tronco embrionárias deve-se ao fato de que elas têm a capacidade de se transformar em qualquer tecido do organismo. Por isso, muitos pesquisadores ao redor do mundo estudam a possibilidade de utilizá-las terapeuticamente no tratamento de doenças graves, como diabete e mal de Parkinson, e na reconstrução de tecidos danificados, como em casos de lesão na medula espinhal e ataque cardíaco.

A maioria das pesquisas é feita com células-tronco extraídas de embriões congelados nas clínicas de fertilização in vitro - como foi autorizado no Brasil. Mas o próximo passo seria utilizar as técnicas de clonagem para produzir embriões geneticamente idênticos aos pacientes, de forma que as células produzidas sejam completamente compatíveis com o doador.

A equipe de Hwang foi a primeira - e única até agora - a fazer isso. No primeiro trabalho, publicado em 2004, os cientistas produziram vários embriões clonados de mulheres, mas apenas uma única linhagem de células-tronco embrionárias foi estabelecida. Já no segundo estudo, em 2005, foram supostamente produzidas 11 linhagens de células-tronco de embriões clonados de pacientes com diabete, deficiência imunológica e lesão na medula.

A técnica de clonagem é a mesma utilizada quase dez anos atrás para criar a ovelha Dolly: uma célula do organismo adulto (o paciente) é retirada e inserida dentro de um óvulo sem núcleo, que então é estimulado artificialmente a formar um embrião, do qual são extraídas as células-tronco.