Título: De herói a vilão da ciência mundial
Autor: Herton Escobar
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/12/2005, Vida&, p. A22

O sul-coreano Hwang pede dez dias para provar que produção de células embrionárias por clonagem não é fraude

Hwang Woo-Suk, o herói sul-coreano das células-tronco, poderá em breve se tornar o grande vilão das pesquisas nessa área - ou, quem sabe, um mártir. Em uma reversão surpreendente de papéis, Hwang solicitou ontem, oficialmente, a retratação de seu estudo de clonagem publicado na revista Science, em maio. O trabalho, que lhe rendeu fama internacional e status de herói em seu país, relatava a criação de 11 linhagens de células-tronco humanas derivadas de embriões clonados das células de pacientes. A pesquisa foi aclamada mundialmente como prova de viabilidade da chamada "clonagem terapêutica", que busca produzir células-tronco embrionárias geneticamente idênticas às de um paciente adultoMas denúncias de ex-colegas de equipe, trazidas à tona nos últimos dois meses, levantaram dúvidas sobre a ética e a própria veracidade dos experimentos. Roh Sung Il, um dos 24 co-autores, disse que a maior parte do trabalho foi falsificada. "Nove das 11 linhagens de células-tronco que ele disse ter criado nem mesmo existiam", disse Roh. A autenticidade das outras duas ainda é incerta.

Em entrevista ontem em Seul, Hwang pediu desculpas por "erros fatais" cometidos na pesquisa e na divulgação dos resultados. Mais importante, anunciou ter pedido a retratação do artigo publicado na Science - o que, na prática, desqualifica completamente a pesquisa. Em seu pedido, Hwang disse que revisou o estudo e chegou à conclusão de que "os dados não eram confiáveis", segundo o editor-chefe da Science, Donald Kennedy.

Ainda assim, Hwang garantiu que as descobertas centrais do artigo são verdadeiras, e que ele provaria sua validade nos próximos dez dias. "Nossa equipe produziu células-tronco embrionárias específicas de pacientes, e mantemos a tecnologia para produzi-las", disse.

Mas a retratação da pesquisa é um golpe do qual a credibilidade de Hwang dificilmente conseguirá se recuperar. A publicação em revistas científicas reconhecidas - e a Science é uma das melhores do mundo - é requisito básico de qualidade para qualquer pesquisa. Pelas regras internas da Science, o pedido de retratação só poderá ser aceito se assinado por todos os co-autores. Entre eles, o americano Gerald Schatten, da Universidade de Pittsburgh, que já havia solicitado a retirada de seu nome da pesquisa no início da semana.

"Foram duas semanas muito longas, confusas e frustrantes para nós", disse o editor da Science, Kennedy, em entrevista coletiva ontem à tarde. Segundo ele, ainda não está claro até que ponto os dados estão errados ou foram manipulados. "Está claro que os autores precisam fornecer mais detalhes sobre quais são os erros e como eles surgiram", disse.

Como regra para ser publicado, todo estudo é antes avaliado por um ou mais revisores independentes, que podem fazer questionamentos, aceitar ou recusar os trabalhos - processo conhecido como peer review, ou revisão por pares. Segundo Kennedy, o trabalho submetido por Hwang passou por três revisores, que não detectaram nada suspeito.

ÉTICA

Os primeiros questionamentos, surgidos há dois meses, eram de natureza ética. Descobriu-se que mulheres haviam recebido dinheiro para doar seus óvulos, e duas eram funcionárias no laboratório de Hwang - prática considerada antiética. As críticas referem-se ao primeiro trabalho de clonagem da equipe, publicado também na Science em 2004, no qual é relatada a obtenção da primeira linhagem de células-tronco embrionárias clonadas. "Obviamente teremos que dar uma olhada mais de perto (nesse trabalho também)", disse Kennedy.

A situação se complicou mesmo nesta semana, com as denúncias de falsificação de resultados na pesquisa de 2005. Além da suspeita de que algumas das linhagens não existiam - ou de que não eram de células-tronco embrionárias clonadas - há relatos de que todas as linhagens criadas já foram perdidas por contaminação.

Hwang confirmou que algumas linhagens foram contaminadas e levantou a possibilidade de sabotagem no laboratório. Ele disse que cinco linhagens ainda estão congeladas, e serão descongeladas para provar a autenticidade da clonagem.

Hwang e Schatten também ficaram famosos neste ano como os primeiros a produzir um cachorro clonado, chamado Snuppy. A veracidade deste estudo ainda não foi questionada. A Universidade de Pittsburgh está investigando a responsabilidade de Schatten na possível fraude.