Título: A longa jornada dos juros
Autor: Otaviano Canuto
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/12/2005, Economia & Negócios, p. B2

Por que os juros reais básicos têm estado tão altos no Brasil durante os últimos 15 anos? É possível esperar que a discrepância acentuada e resistente entre juros domésticos e no resto do mundo esteja a caminho de desaparecer? Para responder a tais perguntas, não se deve perder de vista o fato de que as taxas reais de juros, durante qualquer processo de desinflação, tendem a ser colocadas em níveis acima daqueles considerados "normais". Por estes, designamos patamares de juros reais aos quais a demanda agregada no país esteja compatível com o potencial de oferta agregada e, ao mesmo tempo, a inflação efetiva na economia esteja em ritmo considerado adequado pelos responsáveis pela política monetária. Mesmo que a demanda esteja ajustada à oferta, em certo momento, os juros reais tenderão a ser postos acima dos "normais", caso a inflação desejada seja algo abaixo daquela vigente. Neste sentido, não há como considerarmos termos vivido algum momento de tal "normalidade" no que diz respeito à dupla juros e inflação nos últimos 15 anos. O Brasil tem estado em processo desinflacionário desde 1994, após o período de hiperinflação de 1991 a 1993. De 1994 a 1998, a âncora nominal do programa de estabilização foi um regime cambial de taxas administradas de câmbio com manutenção do real artificialmente valorizado, contexto durante o qual a taxa real básica média foi de quase 22%. A flutuação cambial em janeiro de 1999 colocou novos desafios no âmbito do processo desinflacionário. Em menos de dois meses, a desvalorização nominal do câmbio chegou a quase 80% e as expectativas de inflação apontavam para até 30% naquele ano. Após o início do regime de metas de inflação, a busca de trazer para baixo, a cada ano, tanto as metas e os níveis efetivos de inflação quanto as taxas de juros, foi postergada pelos choques cambiais de 2001 e 2002. Em 2000, o centro da meta de inflação em 6% foi atingido em cheio, quando o IPCA fechou em 5,97% e o PIB cresceu 4,4%. Por outro lado, o fato de ainda constituir um ponto intermediário na trajetória de desinflação indicava que a taxa real básica de juros média daquele ano (10,8%) estaria ainda acima da "normal", ou seja, aquela à qual o crescimento econômico estaria se dando em simultâneo com um ritmo inflacionário considerado adequado. Durante oito meses a partir de novembro de 2004, o IPCA acumulado em 12 meses manteve-se acima de 7%, como resultado da transmissão da alta nos preços internacionais de commodities e dos 29% do IPCA correspondentes a preços administrados indexados ao IGP. Mais uma vez, lá se foram as taxas básicas para cima, num ciclo de aumento gradual de 350 pontos básicos. Quando descontadas pela inflação esperada em 12 meses, a taxa básica atingiu um pico em termos reais acima de 14% na primeira semana de setembro do presente ano. O ano de 2006 tem tudo para mostrar-se um ponto de inflexão nessa trajetória marcada por inflação e juros acima dos "normais", durante a qual os juros vigentes estiveram em geral acima do patamar correspondente à soma da taxa de juros externa e de prêmios de risco. O IGP-10 de dezembro (0,06%), tornando a alta desse índice em 2005 a menor da história (1,47%), vai impor correções de contratos de concessões públicas indexadas ao IGP abaixo do IPCA. Até a gasolina pode ter seu preço diminuído caso se mantenha a atual diferença entre seus preços doméstico e internacional. Não por acaso, a inflação esperada para o próximo ano está, nesse momento, coincidindo com o centro da meta, a qual corresponde a um patamar de 4,5% considerado adequado. Além disso, caso o PIB venha a crescer 2,5% e 4%, respectivamente, em 2005 e 2006, o triênio 2004-2006 terá exibido um crescimento real médio da renda per capita de 2,3% anuais. Qual seria enfim um palpite razoável para a taxa real básica "normal" de juros? Certamente bem abaixo dos 10,8% de 2000, já que não só a desinflação está perto do fim, como a economia brasileira hoje está mais sólida, em termos fiscais e de contas externas, além de ter atravessado crises e transição política mantendo a responsabilidade fiscal. Por outro lado, o registro da prudência no passado sugere que teremos uma aproximação gradual, sem saltos da natureza.