Título: Bush autorizou grampos secretos
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/12/2005, Internacional, p. A16

Revelação do 'NYT' expõe nova investida do governo contra leis que protegem as liberdades públicas

Por ordem presidencial secreta, desde 2002 o governo dos Estados Unidos grampeia as comunicações telefônicas, por internet e outros meios, de cidadãos americanos com a desculpa de proteger o país contra possíveis novos atos terroristas. A revelação, feita ontem pelo jornal The New York Times, expôs mais uma investida do governo do presidente George W. Bush contra as leis que protegem as liberdades públicas nos Estados Unidos e que pode ter dado cobertura a atividades criminosas.

De imediato, a revelação deve complicar a prorrogação da Lei Patriótica - um conjunto de medidas aprovado a toque de caixa, sob o impacto dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, para dar mais instrumentos de investigação ao governo federal -, cujo debate empacou ontem no Congresso.

A informação veio à tona apenas um dia depois de o presidente Bush ter sido forçado pelo Congresso a abandonar esforços que, na prática, levariam à legalização da tortura como forma de obter informações de prisioneiros de guerra estrangeiros.

Segundo o New York Times, a publicação da reportagem foi adiada por mais de um ano atendendo a um apelo da administração por causa dos possíveis efeitos nocivos de sua divulgação para investigações que estavam em curso sobre potenciais ameaças terroristas.

Senadores republicanos manifestaram-se perturbados pela revelação do New York Times. "Não há nenhuma dúvida de que isso não é apropriado", disse Arlen Specter, da Pensilvânia, que preside a Comissão de Justiça. Bush recusou-se a dar explicações.

Desde os anos 60 que não se registravam casos de espionagem não autorizada nos Estados Unidos contra cidadãos americanos. Abusos desse tipo cometidos durante a época da Guerra do Vietnã e do escândalo Watergate levaram o Congresso a criar um tribunal secreto para autorizar o grampo contra cidadãos americanos.

A Agência de Segurança Nacional, NSA, responsabilizada pela operação, a mais secreta organização de espionagem dos EUA, é especializada em grampo eletrônico de governos, embaixadas e grupos estrangeiros em todo o mundo (ler ao lado). Seus 30 mil funcionários operam uma rede global de satélites, antenas e transmissores a partir do Forte Meade, situado num subúrbio de Washington, no Estado de Maryland. Até alguns anos atrás, Washington nem sequer admitia a existência da NSA.

A secretária de Estado, Condoleezza Rice, defendeu ontem o governo dizendo que todas as ações tomadas sob a ordem secreta de Bush foram executadas "com um saudável respeito às liberdades civis que estão no centro da lei". Kate Martin, a presidente do Centro de Estudos sobre Segurança Nacional, lembrou, no entanto, que a lei sobre coleta de informações de estrangeiros (FISA), que criou o tribunal especial para autorizar o grampo, proíbe o governo de realizar atividades de vigilância eletrônica em território americano sem a luz verde dos três juízes federais que compõem esse tribunal.

"Essa é uma das revelações mais chocantes que vimos sobre a administração Bush", afirmou Martin. "É a primeira vez que o presidente autoriza uma agência governamental a violar uma proibição criminal específica e grampear americanos." Segundo o Times, as operações conduzidas sob a ordem secreta de Bush levantaram suspeitas de inconstitucionalidade e criaram resistência dentro da própria NSA e foram temporariamente suspensas depois que congressistas levantaram objeções.

O tribunal secreto que administra o FISA aprovou 1.754 pedidos de autorização de grampo no ano passado, segundo o Departamento de Justiça. O Times informou que as primeiras operações de grampo conduzidas sob a ordem secreta de Bush teriam abrangido algumas centenas de pessoas. Atualmente, aproximadamente 500 pessoas teriam seus computadores ou telefones grampeados. A NSA faz vigilância eletrônica de entre 5 mil e 7 mil pessoas suspeitas de conexões com organizações terroristas, segundo fontes de inteligência citadas pelo Times.