Título: O pacotão eleitoral
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Fonte: O Estado de São Paulo, 06/01/2006, Notas e Informações, p. A3

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva acaba de lançar o mais descarado pacote eleitoral da história brasileira, o de orçamento mais caro e o mais ostensivamente improvisado. O pacote inclui obras emergenciais de recuperação de rodovias, obras nas Ferrovias Transnordestina e Norte-Sul, concessões de 3 mil quilômetros de estradas de rodagem e licitação de duas grandes hidrelétricas. Com essas iniciativas, o governo pretende mostrar um dinamismo inexistente até agora, realizando em apenas um ano tarefas não realizadas em três. Para financiar tudo isso, planeja mobilizar o Tesouro Nacional, o BNDES, fundos de pensão de estatais e também governos estaduais. Não se trata de um programa sério e consistente de obras, mas de uma tentativa de engabelar a opinião pública. Basta ver que a maioria das iniciativas anunciadas não poderá sair do papel antes de abril, prazo a partir do qual a lei impõe severas restrições à contratação de obras, para evitar justamente a demagogia eleitoreira. E não se pode levar a sério um programa que destina esquálidos R$ 400 milhões para tapar 30 mil quilômetros de buracos nas estradas federais.

O anúncio do pacote foi pontuado pelas habituais demonstrações de truculência e de autoritarismo da chefe da Casa Civil, ministra Dilma Rousseff. Segundo ela, o governo federal deverá custear 70% das obras de recuperação de rodovias federais transferidas a Estados pela Medida Provisória 82, de dezembro de 2002. Os governos estaduais deverão pagar o resto. Pura fantasia misturada com truculência.

A ministra parece haver esquecido um detalhe fundamental. O presidente Lula vetou integralmente, em 19 de maio de 2003, o Projeto de Lei de Conversão daquela MP, declarando-o contrário ao interesse público. Não tem sentido, portanto, cobrar dos governos estaduais compromissos ou obrigações derivados daquela MP.

Como se quisesse deixar mais evidente sua confusão, a ministra declarou, ao sair da reunião, não ser intenção do governo central reassumir a responsabilidade por aquelas estradas. Qual o sentido dessa frase, se esse mesmo governo se declarou contrário à transferência e agiu, até agora, como se não tivesse ocorrido?

Ainda segundo a ministra, as obras naquelas estradas só começarão depois da aprovação dos acordos entre União e Estados pelas Assembléias Legislativas. Isso não é parceria, é mera tentativa de imposição baseada num dispositivo legal rejeitado pelo governo da União. Nenhum governador de Estado tem obrigação de se unir à União para financiar obras de interesse eleitoral do presidente da República. O governo central, no entanto, não está livre da obrigação de cuidar das estradas federais com recursos da União, estivessem ou não incluídas na MP 82.

Quanto às concessões de rodovias e às licitações de hidrelétricas, só estão na agenda eleitoral do PT, em 2006, porque o governo federal foi incapaz de cuidar do assunto nos anos anteriores, apesar dos planos anunciados pela própria chefe da Casa Civil. O programa de concessões de estradas simplesmente atrasou. Com isso, faltaram investimentos tanto em rodovias destinadas à privatização quanto nas demais. Não melhora a imagem do governo a ministra Rousseff, agora, acusar o governo anterior de haver deixado 36 mil quilômetros de estradas em mau estado. A atual administração deixou a situação piorar, por absoluta inépcia.

A mesma afirmação vale para o caso das centrais elétricas. A regulamentação do setor demorou excessivamente e, quando foi anunciada, foi mal recebida pelos investidores. A atual chefe da Casa Civil, então ministra de Minas e Energia, foi a responsável por esse fiasco, ao tratar o assunto como se os investimentos não dependessem do setor privado.

O balanço é claro. O atraso dos investimentos foi causado, em parte, pela incapacidade do governo de vencer seus preconceitos ideológicos e de reconhecer a importância da parceria com o setor empresarial. O resto da explicação é igualmente simples: os investimentos emperraram também pela indisfarçável incompetência administrativa e operacional da maior parte do governo petista.

Agora, diante da emergência eleitoral, o governo tenta ganhar tempo e se dispõe a comprometer mais dinheiro dos fundos de pensão de estatais em projetos de infra-estrutura. Estarão interessados nessa aventura eleitoral os mutuários desses fundos?