Título: Para presidente, imprensa age como a da Venezuela
Autor: Ana Paula Scinocca, Ângela Lacerda
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/12/2005, Nacional, p. A4

Não há rigor com veracidade das denúncias, acusa

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez ontem duras críticas à imprensa. Ao participar do lançamento da pedra fundamental da Refinaria Abreu e Lima, ao lado do presidente venezuelano, Hugo Chávez, Lula comparou o comportamento da imprensa brasileira com o da Venezuela. "Vão marcando a alma de cada pessoa atacada e, muitas vezes, não se tem a grandeza de pedir desculpa quando reconhece que estava errado", disse. "Como haverá o dia do juízo final para cada um e nós, haverá o dia em que a verdade irá prevalecer." Dirigindo-se a Chávez, a quem chamou de "amigo e irmão", Lula afirmou que conheceu o venezuelano num momento em que a imprensa do país vizinho o castigava duramente. "Estava um dia no hotel com Marco Aurélio (hoje assessor especial para assuntos internacionais da Presidência da República) assistindo à TV. A propaganda contra o Chávez era de tamanha magnitude, as ofensas pessoais ao Chávez eram de tamanha magnitude, que eu jamais imaginei que num país democrático pudesse a imprensa pudesse agir da forma que agiu."

A lembrança foi a senha para que Lula fizesse a comparação com a linha adotada pela mídia brasileira. "Agora estamos vivendo no Brasil algo semelhante. Estamos vivendo um momento em que as pessoas não têm preocupação de saber se é verdade ou não a denúncia", comentou.

O presidente disse que no Brasil a imprensa "primeiro publica" para depois checar a veracidade das informações. "Não há nenhuma responsabilidade em apurar", reclamou.

Lula avaliou que o País vive um clima de denuncismo semelhante ao de outras nações. Para o presidente, vários políticos sabem o significado de uma denúncia que não tem apuração, não tem prova. "Vão marcando a alma de cada pessoa atacada", frisou.

JUSCELINO

À vontade em seu Estado natal, e diante de uma platéia favorável - que exibia faixas de apoio, como "Lula, Lutar, Mudar, Vencer" e "Para o bem do povo, Lula de novo" -, o presidente disse que o tempo se encarregará de revelar as verdades e revelar injustiças que tenham sido cometidas.

Em seguida, voltou a citar como exemplo os presidentes Juscelino Kubitschek e Getúlio Vargas. "Tivemos nesse País alguns grandes presidentes, mas vou lembrar de um: Juscelino", anotou. "Se pegar hoje o que a imprensa falava entre 1956 e 1961, percebe o massacre que se fazia contra o presidente Juscelino. 45 anos depois vejo uma propaganda na TV Globo: estão fazendo um documentário especial sobre o mais importante presidente que o País já teve."

Ao mencionar Getúlio, Lula disse que "quem mais tinha ódio" dele era uma pequena parcela da elite brasileira, "sobretudo do Sul do País, porque ele acabou com a escravidão dos trabalhadores, criando a legislação trabalhista".

Recorrendo a um velho chavão de campanha, quando reclamava do preconceito da elite, Lula voltou a falar que há no Brasil quem não saiba conviver em democracia. "Estou mais dedicado a ler a vida desses homens (Juscelino e Getúlio) para compreender a história do meu país e para perceber que nem todo mundo está habituado a viver em democracia", disse.

"A democracia, para algumas pessoas aqui, era boa quando o povo tinha apenas o direito de gritar que estava com fome, porque na cabeça de alguns esse era o limite da democracia, o povo poder reclamar. Não estavam preparados para que a democracia, levada às suas últimas conseqüências, fizesse um torneiro mecânico presidente da República. Não estava no prognóstico."

"Estamos provando que a democracia é o melhor dos instrumentos. Ela permite desde um grande empresário a um operário chegar à Presidência. Esse é um valor tão grande que, possivelmente, alguns levarão alguns anos para saber o significado", comentou, para em seguida lembrar que o preconceito não é exclusividade do Brasil. "Mesmo nas dificuldades da democracia, é possível construir um espaço e convivência política na adversidade, onde a alternância de poder é a melhor solução para consolidar o processo democrático."