Título: Para Amorim, Itamaraty não segue linha terceiro-mundista
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/01/2006, Nacional, p. A9

Ao fazer um balanço das ações do Itamaraty em 2005, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, declarou ontem que a atual política externa não segue uma linha terceiro-mundista. Ela é "universalista". Ao enumerar feitos e prioridades, entretanto, o chanceler do governo Luiz Inácio Lula da Silva deixou claro o objetivo de fortalecer as relações com as economias em desenvolvimento, na mesma linha seguida nos últimos anos. Amorim ressaltou que o País prosseguirá com sua aproximação com a África e que a integração da América do Sul será a prioridade de 2006, ao lado das negociações da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Com ênfase, rechaçou ainda a possível de classificação da aliança Venezuela-Cuba-Bolívia, a partir da eleição do boliviano Evo Morales, como um "eixo", e esclareceu que não gosta desta palavra e nem da divisão "simplista" e "maniqueísta" do mundo entre bons e maus. Diante dessa inevitável e já anunciada aliança, o chanceler reiterou que o Brasil manterá o diálogo com seus vizinhos, mesmo que essa iniciativa possa ser qualificada como um "eixo". Mas sem abandonar as relações com os Estados Unidos.

"O Brasil não é um país que está encolhendo, não é uma ex-potência colonial que tem de se readaptar a uma realidade menor. O Brasil é um país que está crescendo e vai crescer mais, em paz com seus vizinhos.

Em harmonia com eles, vamos ter um papel cada vez maior no mundo. A nossa diplomacia tem de corresponder a isso", ditou aos embaixadores.

"A nossa política não é terceiro-mundista. É universalista. A globalização não está só em Nova York, em Paris e em Genebra, lugares que eu gosto de frequentar e onde continuo a aprender muito. Ela está também em Arusha (Tanzânia), Pequim e na América Central. Está em toda a parte", afirmou, em resposta indireta a reportagem publicada ontem pelo Estadão.

Mencionada por Amorim, a Tanzânia é um dos prováveis destinos do próximo roteiro à África do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que já realizou 15 viagens a países da região desde o início de seu governo. No início de fevereiro, Lula fará sua quinta visita a países africanos, entre os quais já estão confirmadas as passagens pela Argélia, Etiópia, Quênia e África do Sul.

O chanceler, entretanto, lamentou que Lula viajará "menos do que deveria" neste ano por conta da corrida eleitoral. Somente no ano passado, o presidente percorreu uma distância de 206.883 quilômetros - o equivalente a 5,16 voltas em torno da Terra. Apesar da diplomacia presidencial ser afetada pelas ambições políticas internas em 2006, o chanceler insistiu que as viagens internacionais agendadas não terão como objetivo fortalecer a imagem de Lula diante do eleitorado brasileiro. Empolgado, Amorim chegou a iniciar sua campanha pela reeleição. "Eu desejo que o presidente Lula apresente sua candidatura e que seja reeleito", afirmou.

Aos embaixadores, Amorim insistiu que a política externa brasileira não pode ser elaborada para o próximo ano, mas para as décadas seguintes. Nesse sentido, lembrou que "até o governo militar reconheceu" a importância da aproximação do Brasil com a África - uma das práticas terceiro-mundistas ou universalistas do atual governo.

Insistiu ainda que os "utilitaristas" têm de entender que, nas negociações multilaterais, como na Rodada Doha, ter o apoio dos países africanos nas discussões mais reservadas e decisivas é algo imprescindível para o Brasil.

Depois de ter elogiado os feitos do governo na área externa, Amorim teve um gesto cordial com a imprensa, que fora alvo de suas duras observações em uma exposição na Câmara dos Deputados em 31 de agosto passado. "Mesmo a crítica que parece injusta nos ajuda a aguçar a percepção da realidade. Às vezes, as críticas têm razão e nos ajudam.", afirmou. Mas, em seguida, bateu forte nas "resistências mentais" à construção da Comunidade Sul-americana de Nações (Casa), expressas especialmente pelos principais jornais brasileiros em 2005.