Título: Nos bastidores, a luta pela sucessão
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Fonte: O Estado de São Paulo, 06/01/2006, Internacional, p. A10

O dia de ontem foi de rumores e boatos em meio ao vendaval na política israelense causado pelo derrame do primeiro-ministro Ariel Sharon. Em entrevistas a rádios, televisões e jornais, políticos de todas as vertentes fizeram questão de dizer que, diante do grave quadro clínico do primeiro-ministro, a hora não é de movimentação partidária. Mas, nos bastidores, foi justamente isso que aconteceu. A menos de três meses das eleições gerais (que continuam agendadas para 28 de março), ministros e parlamentares em geral já começaram a se realinhar em busca dos votos dos eleitores. Foi dada a partida para a sucessão de Sharon na liderança do país. Entre os candidatos a herdar a cadeira de primeiro-ministro estão o líder do partido de centro-direita Likud, Binyamin Bibi Netanyahu, e o secretário-geral do Partido Trabalhista o ex-líder sindical Amir Peretz.

Isso sem contar o eventual herdeiro do Kadima, o recém-criado partido de centro de Sharon. Ainda não se sabe quem ficará no comando do partido, mas há três cotados: o primeiro-ministro em exercício, Ehud Olmert, a popular ex-ministra da Justiça Tzipi Livni e o mitológico ex-chanceler Shimon Peres.

Ontem, a maioria dos políticos tentou fugir de perguntas quanto à sucessão, demonstrando, pelo menos neste momento, apoio incondicional ao primeiro-ministro em exercício. "É importante que o povo saiba que o governo continua funcionando normalmente", afirmou o ministro da Defesa, Shaul Mofaz, também do Kadima. "A hora é de união e de dar respaldo a Olmert, sem campanhas eleitorais e brigas internas."

Políticos de esquerda também confirmaram a suposta trégua pré-eleitoral. Foi o caso da parlamentar Zehava Gal-On, do partido de esquerda Meretz-Yachad, conhecido por criticar a linha dura de Sharon em relação aos palestinos, apesar da mudança dos últimos anos que culminou com a retirada israelense da Faixa de Gaza, em setembro. "Até que o quadro de saúde de Sharon fique mais claro, vamos apoiar o primeiro-ministro em exercício Ehud Olmert. Só depois vamos observar o que vai acontecer com o Kadima e decidir o que fazer", afirmou a parlamentar.

O mesmo disse o ex-ministro da Construção Yitzhak Herzog, do Partido Trabalhista. Os trabalhistas, segundo Herzog, vão esperar alguns dias para deslanchar ofensivas eleitorais. No momento, é importante que o governo demonstre estabilidade para evitar o que aconteceu ontem na Bolsa de Tel-Aviv, que chegou a cair mais de 6% por algumas horas. Investidores nacionais e estrangeiros tiraram milhões de dólares da economia israelense, temerosos quanto ao futuro político do país. No fim, a Bolsa acabou fechando com 4% de queda.

Poucos políticos ousaram admitir abertamente que, assim que Sharon chegou o Hospital Hadassah Ein Kerem, em Jerusalém, foi dada a partida para a corrida por sua sucessão. Um deles foi o ex-jornalista Yossef Tomi Lapid, líder do partido de centro Shinui. "Ainda não chegou a hora de fazer análises profundas quanto à era pós-Sharon. Mas não há dúvida de que houve uma mudança dramática no cenário político israelense", disse Lapid. "A ausência repentina de Sharon é uma lição para a política nacional: partidos de um homem só, como o Kadima, não têm futuro."

O enfraquecimento do Kadima é tido como primeira conseqüência direta da doença do líder israelense. Durante todo o dia de ontem, no entanto, os integrantes do partido fizeram de tudo para afastar a idéia de que a legenda vá se dissolver sem a liderança de Sharon. "O Kadima não é um partido de um homem só. É uma legenda com um ponto de vista muito claro e estruturado", disse o ex-ministro dos Transportes Meir Shitrit.

No Likud, partido criado por Sharon na década de 70 e abandonado por ele há um mês e meio, o otimismo era evidente. Seus partidários acreditam que, com a provável queda do Kadima, o Likud e seu novo líder, Netanyahu, voltarão ao centro da esfera política depois de meses de humilhação. "O ringue político israelense voltará a ser formado pelo Likud de um lado e pelo Partido Trabalhista de outro. O Kadima vai se transformar num partido pequeno, com nada mais do que 10 cadeiras no Parlamento", apostou o ex-ministro da Agricultura Yisrael Katz, do Likud.

No momento, no entanto, o Kadima continua forte, apesar da ausência de seu líder máximo. De acordo com uma pesquisa de opinião do Canal 10 da TV, feita ontem em conjunto com o jornal Haaretz, se o Kadima concorrer às eleições liderado por Olmert, ganhará nada menos do que 40 das 120 cadeiras do Parlamento. Mais do que o dobro do Partido Trabalhista (18) e o triplo do Likud (13). Caso o Kadima concorra sob a batuta de Peres, as perspectivas são ainda melhores: 42 assentos.

Para o ativista político Uri Avineri, ainda é cedo para prever o futuro da política sem Sharon. Mas uma coisa é certa: nada será como antes. "Sharon é o Napoleão israelense. Um dos líderes mais carismáticos e fortes que o país já teve, para o bem e para o mal. Seu lugar ficará vago por muito tempo."