Título: EUA sustentam o mundo
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/12/2005, Economia & Negócios, p. B11

Não dá para não surpreender nem mesmo suspeitar de que alguma coisa está errada, não vai durar. Mais uma vez o Departamento de Comércio dos EUA reviu o crescimento do PIB no terceiro trimestre para ¿levemente menor¿. Mesmo assim, sabem quanto se expandiu? 4,1% anualizado! Isto é, em 12 meses, a economia americana, que gera internamente 70% da sua riqueza, cresceu 4,1%. Foi pena, porque, há um mês, a primeira estimativa previa... 4,3%. Mas o que mantém essa taxa permanente de crescimento quando, com exceção da China, todos os demais países mostram sinais de enfraquecimento ou de estagnação, quando a União Européia fracassa pelo quinto ano consecutivo? Não será o oxigênio artificial da inflação ou algum fator isolado, mas insustentável?

E aqui o colunista se retira e vai ouvir os analistas, ler, aprofundar-se nos comentários de economistas altamente respeitados, os estudos das instituições universitárias para procurar entender quais as causas desse crescimento persistente, isolado e solitário numa economia mundial distorcida que cresce de forma canhestra.

FOI A INFLAÇÃO!

Sim, foi ela! Foi o alimento provisório do oxigênio inflacionário que gerou um consumo insustentável! Não, dizem eles. Nesta mesma terça-feira em que se divulgava o PIB de 4,1%, os preços finais pagos pelo produtor, que os repassam para o consumidor, recuaram, 0,7%! E isso incluindo também os preços da energia, forte gasto em pleno e rigoroso inverno.

Mas, como se comportaram os preços excluindo os itens energia e alimentos, que o Federal Reserve não leva em conta, pois são sazonais, voláteis? Pois bem, de acordo com o Departamento de Comércio dos EUA, os preços da inflação central (core inflation) sem esses itens voláteis, aumentaram a barbaridade de... 0,1%, em novembro. Isto é, não aumentaram, ficaram estáveis, apesar de o consumo interno americano continuar crescendo.

ENTÃO FORAM OS IMÓVEIS!

O leitor deve estar contra-argumentando: ¿Mas você tem registrado que a economia americana vem se expandindo por causa do setor de construção, isto é, cresce com um pé só, e isso está acabando!¿

Também pensei nisso. E fui remexer em todas as estatísticas oficiais do governo para saber como tinha se comportado, em novembro, esse setor que há anos vem sustentando a economia americana.

Acreditem, eu estava certo de que iria encontrar algum dado novo sinalizando para um desaquecimento, pois não era possível continuar havendo tanta gente comprando tanto imóvel sem parar! Ledo engano. Eis os resultados do Departamento de Comércio:

1 ¿ Em novembro, o início de construção de imóveis nos Estados Unidos, aumentou em 5,3%, valores ajustados sazonalmente; foram 2.123 milhões, enquanto em outubro eram 2.014 milhões. ¿E isso¿, diz o Departamento, ¿apesar de ter se elevado o juro para financiamento hipotecário¿;

2 ¿ As autorizações concedidas para novas construções, em novembro, também aumentaram, 2,5%, revertendo um recuo de 5,2,% em outubro; 3 ¿ Os preços médios dos imóveis à venda no mercado recuaram, o que revela uma grande oferta, mas assim mesmo, o mercado continua dinâmico e saudável, sem sinais de um desaquecimento no qual muitos analistas vêm apostando.

Ou seja, o setor de construção civil continua vigoroso, o consumo interno americano segue em expansão e a economia deve terminar o ano com uma taxa de crescimento acima de 4%. E assim caminha a economia, crescimento sem inflação apesar dos furacões devastadores, da explosão já absorvida dos preços do petróleo, com a produtividade da mão-de-obra em alta, exportação aumentando, importação também ainda mais, taxa de desemprego recorde abaixo de 5%.

Será que as regras fundamentais da economia não funcionam nos EUA? Será que estamos no sétimo céu, que encontramos a solução ideal para os desafios econômicos da humanidade?

Prefiro deixar a resposta para o principal economista e jornalista do Financial Times, Martin Wolf, em artigo reproduzido pelo jornal Valor. Após lembrar que os déficits americanos estão sendo facilmente financiados pela grande disponibilidade de recursos no mercado financeiro internacional, afirma Wolf:

¿Como assinalou Bem Bernanke, que em breve assumirá a presidência do Fed, essa inundação de poupança mundial (que está financiando os pesados déficits americanos), explica em grande parte o que está acontecendo nos EUA, e, por conseqüência, na economia mundial. Os EUA não serão eternamente os gastadores e tomadores de empréstimos de última instância.

Mas quando é que os americanos abandonarão esse papel? Essa pergunta continuará colocada em 2006.¿ Isto é, ninguém tem resposta, mas todos estão temerosos e convencidos de que esta situação de dependência unilateral não pode continuar para sempre