Título: Saddam diz que foi torturado
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Fonte: O Estado de São Paulo, 22/12/2005, Internacional, p. A12

Marcas de maus-tratos ainda são visíveis, diz o ex-ditador no tribunal. Americanos negam a acusação

O ex-presidente iraquiano Saddam Hussein afirmou ontem que foi agredido e torturado pelas forças americanas que o mantêm sob custódia, e garantiu que as marcas dos maus-tratos ainda são visíveis por todo seu corpo. "Fui golpeado pelos americanos e torturado", denunciou Saddam, durante a sexta audiência de seu julgamento, e de sete de seus colaboradores, pelo massacre de 148 xiitas em 1982 na localidade iraquiana de Dujail. Os promotores dizem que Saddam ordenou o massacre em represália por uma fracassada tentativa de assassinato contra ele nesse vilarejo no norte de Bagdá. A Casa Branca rejeitou as acusações feitas por Saddam e as qualificou como "ridículas". O promotor-chefe do julgamento, Jaafar al-Mousawi, disse que se as forças americanas realmente abusaram de Saddam, ele pedirá a transferência da custódia para as forças iraquianas. Saddam também afirmou que seus colaboradores que estão sendo julgados também foram torturados.

Saddam disse ao tribunal que sabe o nome da pessoa que denunciou seu esconderijo onde as forças americanas o encontraram, em dezembro de 2003. O ex-vice-presidente Taha Yassin Ramadan acusou um tradutor americano de origem árabe que costumava levar chá e pão para Saddam.

Em seu depoimento, o ex-ditador também declarou que os que depuseram contra ele foram torturados, e pediu punição para os torturadores. "Quando ouço que um iraquiano sofreu maus-tratos, dói em mim. As coisas que fizeram a essas pessoas são erradas e, de acordo com a lei, quem as fez deve ter o que merece", acrescentou.

Antes de denunciar os maus-tratos, Saddam ouviu calmamente os depoimentos de duas testemunhas. Elas acusaram o regime deposto de matar e torturar várias pessoas aplicando choques elétricos e arrancando sua pele depois de derramar sobre elas plástico derretido.

Várias outras testemunhas deram depoimentos imprecisos e mesmo contraditórios sobre supostos maus-tratos sofridos sob o regime de Saddam. Mas a primeira testemunha a prestar depoimento ontem, Ali Hassan al-Haidari, falou com coerência e fez acusações específicas. Haidari contou que o meio-irmão de Saddam, Barzan Ibrahim al-Tikrit, estava no prédio onde ele foi torturado e o chutou enquanto estava deitado em um corredor, com febre. "Ele disse aos guardas 'não tratem dele, sua família não merece viver'", afirmou Haidari. "Senti dor por vários meses por causa do chute."

Barzan perdeu a calma em várias ocasiões, mas em determinado momento defendeu outro dos acusados, o ex-vice-presidente Ramadan, quando Haidari o acusou de destruir casas em Dujail. "Seu sapato (de Ramadan) é mais honrado que você e toda sua tribo, cão", gritou Barzan a Haidari.

Saddam boicotou a sessão prévia do dia 7 depois de mandar os juízes para o inferno. Ontem, o ex-ditador pediu ao juiz que fizesse uma pausa para que ele e seus colaboradores pudessem rezar. Quando o juiz rejeitou o pedido, ele fechou os olhos e repetidamente balançou a cabeça, como se rezando.A audiência do julgamento de Saddam será reiniciada hoje.