Título: O ajuste continua
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/01/2006, Notas e Informações, p. A3

A maior parte dos Estados e municípiosconseguirá quitar sua dívida renegociada com a União nos próximos 23 anos, ou, pelo menos, chegará muito perto disso, segundo projeção dos economistas Mônica Mora e Fábio Giambiagi, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Os poucos casos complicados, como os do Rio Grande do Sul, de Alagoas e do município de São Paulo, podem ser resolvidos sem alteração do quadro institucional, apenas com mudança dos limites de endividamento definidos pelo Senado, afirmam os dois economistas. Esta sugestão não é um preciosismo técnico. Reflete o cuidado com a preservação da Lei de Responsabilidade Fiscal e das normas do Programa de Reestruturação Fiscal e Financeira dos Estados e municípios, dois dos marcos políticos mais importantes da grande reforma iniciada com o Plano Real.

Os limites de endividamento foram fixados em 2001 pelas Resoluções 40 e 43 do Senado. Para os Estados, a dívida consolidada líquida poderia ser o dobro da receita corrente líquida. Para os municípios, essa relação deveria corresponder a 1,2. Seria possível, argumentam os técnicos do Ipea, adotar o limite maior, igual a 2, para ambos os casos, sem ferir a lógica da Lei de Responsabilidade Fiscal. Isso dependeria de resolução do Senado.

Os senadores já adotaram uma solução um tanto casuística, por meio da Resolução 20/2003, para facilitar o ajustamento aos limites de endividamento fixados anteriormente. Estados puderam acomodar novos empréstimos e ganharam alguma folga para investimentos.

Nos últimos dois anos, vários dos Estados em situação mais difícil conseguiram reduzir a relação entre dívida líquida e receita corrente líquida e tendem a continuar avançando na direção do ajuste. São Paulo está bem próximo, com uma relação de 2,2, e esse indicador deverá melhorar, se o crescimento econômico se mantiver.

O caso mais complicado parece mesmo o do Rio Grande do Sul. Em abril do ano passado, sua dívida correspondia a 3,57 vezes a receita corrente líquida, apesar do aumento da arrecadação e dos juros relativamente baixos. Em 2004, as despesas com pessoal chegaram a 69% da receita corrente líquida. Quase metade desses gastos, 47%, foi destinada a pensionistas e inativos. Uma solução, portanto, só será possível por meio de um ajuste complexo.

Apesar das dificuldades, observam os autores do estudo, Estados e municípios têm cumprido as metas fiscais e contribuído com cerca de 1% do PIB para o superávit primário do setor público. Mesmo com alguns desvios, a disciplina imposta pelas leis fiscais tem produzido resultados e é preciso evitar , insistem os dois economistas, um retrocesso em relação a essa importante mudança.

De modo geral, a adaptação às condições da renegociação da dívida foi mais penosa do que se calculava. Durante alguns anos, o indexador, o IGP-DI, desviou-se da trajetória esperada, por causa da evolução dos preços por atacado. A mudança cambial de janeiro de 1999 e a crise especulativa de 2002 contribuíram para isso. A acomodação do IGP-DI em 2005 e, provavelmente, em 2006 tenderá, com certeza, a facilitar o cumprimento das metas fiscais pelos Estados e municípios. Além disso, o crescimento econômico foi menor que o previsto, desde o final dos anos 90, e isso limitou os ganhos de arrecadação tributária. Esse problema foi compensado, em parte, pelo aumento dos impostos.

Há razões para se esperar, neste e nos próximos anos, uma combinação de crescimento econômico mais acelerado com pressões inflacionárias mais contidas. Se essa expectativa se confirmar, Estados e municípios poderão seguir mais facilmente a trajetória de ajuste, no rumo das metas fiscais definidas pelo programa de reestruturação. Medidas parciais de acomodação, sem mudança nos aspectos essenciais do programa, poderão ser necessárias, como admitem os autores do estudo. Uma trajetória mais fácil, no entanto, não dispensará governos estaduais e municipais de continuar o programa de reformas indispensável a um equilíbrio duradouro de suas contas.