Título: O ano do espanto
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/12/2005, Nacional, p. A6

"Colheita" anunciada para 2005 só rendeu safra de maus frutos para 2006

O retraimento do presidente Luiz Inácio da Silva na última reunião ministerial do ano disse muito a respeito do balanço de perdas e ganhos em 2005. À falta de feitos comemorativos a apresentar, Lula optou pelo silêncio. Falou para "dentro", pedindo a seus ministros uma defesa aguerrida dele, do governo e dos respectivos destinos em 2006. Para "fora", preferiu calar naquele momento solene, não obstante voltasse aos discursos públicos laudatórios nos dias seguintes.

Apesar do resultado frustrante do PIB, todos os seus pronunciamentos - incluindo os apelos feitos à direção do PT na quarta-feira à noite - foram baseados em pontos positivos da política econômica, um tema distante do capital petista tradicional, cujo debate mais desagrega que agrega o partido em torno de um plano de vôo eleitoral.

O mutismo de Lula foi eloqüente no tocante ao impacto que 2005, anunciado por ele como "o ano da colheita", provocou em seu espírito de luta política e em sua auto-imagem de símbolo acima de quaisquer suspeitas.

Se colheita houve, foi apenas de uma safra de escândalos que causou revolta em militantes e votantes petistas. Mas sobretudo pegou de surpresa a nação inteira.

Mesmo quem discordava do PT, quem não votou em Lula para presidente, quem nunca acreditou na chegada eficaz da classe operária ao paraíso, todos sem exceção fomos tomados pelo espanto.

Também, mas não só, pela crença generalizada no diferencial petista em relação ao respeito à coisa pública. Talvez mais espantoso mesmo tenha sido a descoberta de que no "chip" do PT não exista registro de discernimento perfeito entre o certo e o errado.

As reações do partido, e do próprio presidente, aos vários episódios denominados genericamente de "crise" evidenciaram a falta grave em matéria de critérios de correção. Ali, o bem e o mal obedecem apenas à classificação referida nos objetivos políticos a serem atingidos.

Numa tradução livre, aquela lógica segundo a qual todos os meios tornam-se automaticamente lícitos e aceitáveis se o fim é a causa nobre.

Sem querer justificar os recorrentes exercícios de cinismo explícito - traduzidos nas negativas das evidências mais acachapantes - não é absurdo pensar que o PT possa de fato acreditar na própria versão do mero equívoco cometido por três ou quatro desavisados. Mal-intencionados, nunca; no máximo, gente ingênua, vítima da inexperiência na aplicação dos meio e modos de fazer justiça social.

Tomando-se como possibilidade real o enunciado acima, também podemos admitir a hipótese de o PT nutrir a esperança de que o eleitorado siga tal raciocínio e, passado o susto inicial, venha a concluir que tudo não passou de um acidente de caráter pedagógico, sendo, daqui para a frente, tudo muito diferente.

Parece ser a isso que Lula se refere quando diz que o discurso da oposição cairá no vazio ao longo do próximo ano, fazendo seus adversários perderem o "fôlego" eleitoral.

Impossível não é, embora seja muito improvável que o ano de 2005, com toda a sua produção caudalosa de escândalos, não tenha repercussão sobre o cenário de 2006.

Não que a oposição tenha recebido, em função dos infortúnios do PT, um salvo-conduto de lisura moral e competência administrativa capaz de levá-la por gravidade de volta ao poder.

Mas sem dúvida terá muito menos a explicar - até por ser velha conhecida de todos na função governamental - do que o PT. Este, além de convencer o eleitorado a lhe dar mais uma chance de provar que ruim com ele pior sem ele, precisará renovar o guarda-roupa, refazer a maquiagem, tomar um banho de loja moral e, sobretudo, enfrentar um curso intensivo de boas maneiras governamentais.