Título: Na última patrulha, comandante parecia tenso
Autor: Denise Chrispim Marin e Tânia Monteiro
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/01/2006, Internacional, p. A10

Era noite e não havia luar. Pior para as patrulhas da Minustah, obrigadas patrulhar as ruas estreitas de Porto Príncipe usando apenas os faróis dos blindados Urutu e holofotes manuais. Faltando duas semanas para o Natal, perto de completar o quarto mês no Haiti, o general brasileiro Urano Teixeira da Matta Bacellar decidiu acompanhar uma das equipes encarregadas de controlar os distúrbios de rua na região favelada de Bel-Air. Segundo um oficial que esteve na mesma missão, e não pode ser identificado por conta da norma de confidencialidade fixada pelo Comando do Exército, Urano insistia em que esse trabalho fosse feito com extremo cuidado. "O Haiti não será o Iraque do Brasil", dizia em conversas informais.

Naquela noite muito escura, o general, homem quieto, de poucos sorrisos, estava particularmente silencioso. Parecia tenso, lembra o ex-companheiro de operação. O trabalho foi rotineiro. Blindados Urutu, armados com uma metralhadora pesada, circularam durante uma hora por vielas onde há barracos de três andares com várias saídas. Tiros foram disparados a distância. Duas ou três barricadas tiveram de ser removidas. Não houve confronto direto. A ação foi considerada apenas um modo de marcar presença dos rebeldes do movimento Quimera. Porto Príncipe não tem iluminação pública. Só 18% dos prédios estão ligados à uma precária rede domiciliar.

O general Urano, 57 anos, combatente de elite, mestre pára-quedista, especializado em salto precursor - o mais arriscado, e a tarefa mais perigosa, abrir caminho seguro para o restante da tropa aerotransportada -, preocupava-se com a falta de equipamento. Queria mais blindados adaptados à situação do Haiti. Queria cobertura aérea com helicópteros nas operações da missão.

Seguidores do ex-presidente Jean-Bertrand Aristide e marginais comuns aproveitam-se para saquear caminhões. O comandante Urano dava atenção a detalhes. No seu último relatório, de 20 de dezembro, observou a necessidade de equipar os 1.200 brasileiros do Batalhão Haiti com coletes à prova de balas cerâmicos, novos óculos de visão noturna para os grupos da vanguarda e de promover a troca de certo número dos fuzis 7.62 usados pelos soldados, por armas de maior poder de fogo, com melhor desempenho em zonas urbanas.

Na noite em que agregou-se à patrulha, o general Urano revelou ao oficial que o acompanhou uma inquietação: temia uma onda de seqüestros antes das eleições. No início de 2004 eram 200 casos por mês. Em novembro, o número caíra para 40.