Título: Corpo do militar chega hoje a Brasília
Autor: Denise Chrispim Marin e Tânia Monteiro
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/01/2006, Internacional, p. A10

PORTO PRÍNCIPE - Depois de uma reunião com representantes da Missão da ONU para a Estabilização do Haiti (Minustah), diplomatas e militares brasileiros decidiram ontem de manhã, em Porto Príncipe, transportar o corpo do general Urano Bacellar imediatamente para o Brasil, dispensando formalidades que pudessem adiar o traslado. O corpo do general, que morreu na manhã de sábado em seu apartamento no Hotel Montana, em Petion Ville, foi congelado, em vez de ser embalsamado, para não atrasar o embarque, previsto para as 20h (23h no horário de Brasília), num avião Hércules da Força Aérea Brasileira. O laudo médico, que foi fornecido à Embaixada do Brasil para liberação do corpo, registrou ¿parada cardíaca decorrente de tiro de arma de fogo na cabeça¿. O laudo é assinado pelo médico argentino Erik Bazurco, do hospital militar para o qual o corpo foi removido.

O avião voaria inicialmente para o Rio, mas à tarde ficou resolvido que pousaria em Brasília, onde será feita a autópsia. Essa decisão foi tomada, segundo fonte da Embaixada em Porto Príncipe, para poupar mais sofrimento à família do general, cuja mulher está no Rio. Só com o laudo da autópsia será possível saber se o general Urano, que era comandante da Força Militar da Minustah, se suicidou ou foi assassinado.

Os peritos da ONU que examinaram o corpo partiram da hipótese de assassinato e insistiram nessa premissa enquanto puderam. Como tudo contribuía para confirmar a hipótese de suicídio, as investigações tomaram esse rumo. ¿Há mais de 99% de possibilidades de ter sido mesmo suicídio, mas só com a autópsia se poderá afirmar o que de fato ocorreu¿, comentou um diplomata.

O embaixador do Brasil no Haiti, Paulo Cordeiro de Andrade Pinto, disse que, embora se considere a probabilidade de suícídio, outras hipóteses, como o assassinato, não foram ainda descartadas. O embaixador falou sobre a morte do general após participar de uma homenagem em sua memória no hospital militar da Minustah.

Representantes de todos os contingentes da ONU que servem em Porto Príncipe participaram da homenagem. Na cerimônia, o chefe da Minustah, embaixador Gabriel Valdés, o comandante em exercício da Força Militar, general chileno Eduardo Aldunate, e o embaixador do Brasil fizeram discursos elogiando a personalidade e capacidade profissional do general Urano. O general Luiz Guilherme Terra Amaral, que representava o comandante do Exército Brasileiro, também acompanhou a cerimônia.

Coberta com as bandeiras do Brasil e da ONU, a urna com o corpo chegou carregada por seis soldados brasileiros e ficou depositada diante da guarda de honra. Como o corpo estava no necrotério do hospital, levantou-se inicialmente a hipótese de fazer uma cerimônia simbólica, só com a urna, para evitar que ele fosse retirado da câmara fria e depois recolocado ali. ¿Não vamos fazer uma farsa¿, reagiu o embaixador do Brasil, vetando a sugestão. Ontem à tarde, providenciou-se gelo seco para congelar o corpo.

Diplomatas, militares e peritos brasileiros, entre eles o delegado Wilson Damásio, da Polícia Federal, que viajou ao Haiti para acompanhar as investigações, passaram boa parte da manhã discutindo não mais a causa da morte, mas as circunstâncias que teriam levado o general ao suposto suicídio. Por exemplo, a revelação de que na sexta-feira, véspera da morte, ele telefonou ao capelão perguntando em que hora seria celebrada a missa de domingo.

Oficiais brasileiros ouvidos pelo Estado em Brasília, que não têm dúvida sobre a tese do suicídio, disseram que, nas últimas semanas, a possibilidade de ser substituído por um militar da Jordânia, que atualmente tem o maior contingente no Haiti, teria elevado as pressões sobre o general Urano, colocando-o numa situação desconfortável. Para esses militares, o general teria se matado.

Alguns detalhes, que ainda serão investigados, chamam a atenção dos peritos: 1) a proprietária do Hotel Montana, Gart Cardozo, que mora numa casa vizinha, ouviu o disparo; 2) o primeiro a ser avisado da morte foi o motorista do general Adulnate, vizinho de apartamento do general Urano; 3)a bala, que entrou pela boca e saiu pela nuca, não foi encontrada, tendo-se perdido provavelmente na mata que cerca o hotel; 4) a porta do apartamento 17, que o general ocupava, não foi arrombada.

Ontem à tarde, peritos brasileiros e da ONU inspecionaram o apartamento. O médico José Eduardo da Silva Reis, legista do Distrito Federal, veio ao Haiti para acompanhar a perícia e constatar a causa da morte. O laudo do médico argentino que substitui provisoriamente o atestado de óbito poderá ser corrigido se a autópsia a ser feita em Brasília fornecer outras informações.