Título: Jornal haitiano relaciona morte com máfias
Autor: Denise Chrispim Marin e Tânia Monteiro
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/01/2006, Internacional, p. A10

PARIS - "Não acreditamos na hipótese de suicídio e estamos convencidos de que o general Urano Teixeira da Matta Bacellar pode ter sido executado por uma ação de grupos armados a serviço da máfia e do narcotráfico haitianos, ambas organizações muito ativas atualmente no país", afirmou ontem em Paris o principal editorialista do jornal Haiti Tribune, Wienner K. Fleurimond. Sua publicação circula em Miami, Nova York, Paris, Bruxelas e nas Antilhas, regiões que reúnem mais de 1 milhão de integrantes da diáspora haitiana. Ele cita o próprio chanceler brasileiro, Celso Amorim, cujas declarações alimentam dúvidas sobre as causas da morte. Na mídia européia, prevalece a hipótese de suicídio do general. Fleurimond é defensor da presença brasileira no comando das forças de paz da ONU, a Minustah, convencido de que uma eventual retirada da Minustah resultaria numa "guerra civil". Fleurimond falou ao Estado sobre a morte do general Urano.

Suicídio ou assassinato?

Somos céticos. Não acreditamos na tese do suicídio. Tenho informações de que quinta-feira o general foi insultado por homens que controlam o poder econômico no país. Ele vinha sofrendo fortes pressões, como seu antecessor, o general Augusto Heleno, para utilizar suas tropas no bairro Cité Soleil, reprimindo os movimentos que lá se encontram, mas reagiu contra isso. Não acreditamos que um general acostumado a esse tipo de pressão possa reagir suicidando-se.

Quais serão as conseqüências dessa morte?

Não acredito que as eleições legislativas de 7 de fevereiro possam ser novamente adiadas. Já foram adiadas quatro vezes. O segundo turno está previsto para 19 de março e o presidente toma posse no dia 29.

A força da ONU, comandada pelo Brasil, deve permanecer?

Penso que as tropas devem permanecer até que a normalidade política e institucional seja restabelecida. Se a Minustah deixar o Haiti será a guerra civil. Sou partidário da manutenção do Brasil no comando dessa força de 7 mil homens de várias nacionalidades. Se um dos outros países representados assumir o comando não vai conseguir controlar a situação. O governo brasileiro jamais hesitou ao não autorizar a repressão na Cité Soleil. A presença brasileira é garantia de segurança. Como as eleições estão sendo organizadas pela ONU, os partidos não poderão contestar os resultados. Com o poder reconhecido pela comunidade internacional, esse será um primeiro grande passo importante. A Minustah vai permanecer para garantir os resultados até a normalização da vida do país.

Considera um erro a presença no Haiti de uma força comandada por brasileiros?

Essa foi a ocasião do Brasil tentar provar que era uma potência regional, pensando numa cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU. Ora, o Haiti é um país complexo e difícil. Talvez as autoridades brasileiras não tenham convenientemente avaliado esses aspectos. Mas a presença dos brasileiros é melhor do que a de outros países por se tratar de uma força latino-americana sem uma visão colonialista, o que seria o caso dos americanos e franceses.

O líder político Winter Etiénne, um dos responsáveis pelos antigos rebeldes, braço armado da oposição contra o ex-presidente Jean-Bertrand Aristide, pode retomar o combate após 7 de fevereiro, se não houver solução até essa data?

De passagem por Paris, ele disse ao Haiti Tribune que, se após o dia 7 o atual governo estiver no poder, ele e seus homens poderão retomar as armas para afastá-los.

Nessa hipótese, a Minustah ficará sem reagir?

Claro que não! Isso faz com que se entenda por que essa data está no centro dos acontecimentos e de todos os encontros políticos. Depois do dia 7, algo vai ocorrer, com ou sem eleição.