Título: Militar antes de político, líder é identificado com o Estado
Autor: Lourival Sant'Anna
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/01/2006, Internacional, p. A14

Durante os próximos dias, o primeiro-ministro interino de Israel, Ehud Olmert (que também é ministro das Finanças), provavelmente lembrará Levi Eshkol. Os israelenses não conseguiram perdoá-lo por não ser maior que a vida, como David Ben-Gurion. Mas como Ben-Gurion, o primeiro-ministro Ariel Sharon não deixou um vácuo atrás de si. Como o ministro das Finanças Eshkol, o ministro das Finanças Olmert é um político profissional completo. Ele é muito experiente e capaz de se transformar no primeiro-ministro de que Israel precisa, apesar de não ser tão popular quanto Sharon, ou, talvez, de fato, por causa disso.

Nenhum dos primeiros-ministros que sucederam a Ben-Gurion ¿ incluindo Golda Meir, Menachem Beguin e Yitzhak Rabin ¿ teve tanta popularidade quanto Sharon.

Isso aconteceu, aparentemente, mais porque Sharon conseguiu evitar sua identificação com a política; como Ben-Gurion, ele era identificado com o próprio Estado. Sharon foi e continua sendo um militar, e mesmo como primeiro-ministro tendia a governar o país como um comandante supremo e não como um civil igual aos outros. A maioria dos israelenses apoiou a retirada de Gush Katif (Faixa de Gaza). É discutível se um político menos truculento que Sharon conseguiria fazê-la. Mas mesmo que o julgamento da história seja pelo acerto de Sharon quando resolveu desmantelar os assentamentos judeus na Faixa de Gaza e na Samaria do Norte (norte da Cisjordânia), é discutível se será possível enquadrar esse ato entre os melhores momentos da democracia israelense.

Depois de 40 anos na política, Olmert conhece todas as manobras e truques. É um dos políticos mais cínicos, mas, como o líder do Partido Likud, Binyamin Netanyahu, e o do Partido Trabalhista, Amir Peretz, Olmert internalizou as limitações do sistema democrático. Eles sabem não só o que é possível e o que é impossível fazer. Sabem também o que é proibido fazer.

Diferentemente de Sharon, nenhum dos três entrou na política depois de uma carreira militar. Nenhum emergiu como figura paterna nacional. Mas a repentina necessidade de substituir Sharon não vem acompanhada de um sentimento de orfandade. Na verdade, a escolha à disposição do eleitor parece bastante profissional. Como uma série de outros políticos, Olmert, Netanyahu e Peretz oferecem opções razoáveis ao eleitor: nem gigantes nem anões.

A necessidade de um político profissional cuja imagem não se desvie de suas verdadeiras habilidades é reforçada precisamente pelo profundo desprezo por políticos compartilhado por muitos israelenses, que chega às raias da indiferença e da aversão ao envolvimento. A democracia não está seriamente ameaçada.

Com freqüência surgem anseios por um líder forte, onipotente, que aja sozinho e não perturbe seus cidadãos com a obrigação de participar de suas decisões. Como Sharon, que se recusou a se desincompatibilizar dos cargos que ocupava antes de eleições e de um referendo. A nova moda de pôr questões ¿sociais¿ no centro da campanha eleitoral reflete também uma tendência a fugir da necessidade de lidar com o conflito israelense-palestino. É mais fácil discutir o salário mínimo que a necessidade de retirar colonos judeus de Hebron (na Cisjordânia).

Ninguém sabe com certeza até onde Sharon teria levado o conflito se tivesse continuado no cargo de primeiro-ministro. Talvez tivesse agido para estabilizar a fronteira permanente do país; sua recusa em realizar negociações com os palestinos não permite supor que isso teria causado um abrandamento da situação.

Olmert iniciou sua carreira política à direita de Beguin, e na maior parte do tempo ele representou posições intransigentes. Ele também se aproveitou da condição de prefeito de Jerusalém para promover sua imagem como um líder ¿falcão¿, de estatura nacional.

Sua luta contra a atividade da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) na cidade e a invasão do túnel perto do Muro das Lamentações (na Cidade Velha de Jerusalém) agravaram muito a tensão entre Israel e os palestinos. Contudo, nos últimos anos, tudo indica que Olmert adotou posições mais realistas. Ele está com 60 anos; não é velho demais para reavaliar seus sonhos de juventude.

A parte de Olmert na mudança sofrida por Sharon ainda não ficou clara. Geralmente se supõe que Sharon decidiu abrir mão da Faixa de Gaza por razões principalmente militares, e não porque tivesse se transformado repentinamente de um militar em estadista que descobriu a luz para a paz. No entanto, há indícios de que Olmert tenha influenciado Sharon.

Se Olmert chegou à conclusão de que é preciso se entender com os palestinos com base numa percepção mais ampla que a percepção do militar Sharon, é bem possível que ele leve mais longe o entendimento com os palestinos.