Título: Governo desarticulado
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/12/2005, Notas e Informações, p. A3

O governo comemorou, como se fosse vitória sua, a redução do ritmo de desmatamento na Amazônia constatada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e citou, entre os fatores que levaram à queda, o Plano de Prevenção e Combate ao Desmatamento lançado em 2004. Ambientalistas e representantes de ONGs da área ambiental discordam dessa interpretação e deixaram isso claro quando abandonaram a reunião na Casa Civil em que se avaliava o andamento do plano.

"O que vimos é que há baixa capacidade de coordenação do plano pela Casa Civil, refletindo um interesse secundário na implementação das ações por parte do governo", disse o advogado do Instituto Socioambiental André Lima. Incumbida de coordenar os esforços dos órgãos do governo que atuam no combate ao desmatamento da Amazônia, a Casa Civil não dispunha de dados desses órgãos.

Números divulgados pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, indicam redução do desmatamento. A área desmatada na Amazônia entre 1º de agosto de 2004 e 31 de julho de 2005 atingiu 18.900 km2. Não há motivos para comemoração, pois a área é enorme. Mas, se serve de consolo, reconheça-se que poderia ser pior. No período 2003-2004, a área devastada alcançou 27.200 km2. Este foi o segundo pior número desde o fim da década de 80, quando o Inpe começou a dimensionar a área desmatada, superado apenas pelo do período 1994-1995, quando o desmatamento alcançou 29,1 mil km2.

Desde as medições relativas ao período 1996-1997, a área desmatada vinha crescendo seguidamente, como que a demonstrar, na prática, a ineficácia das ações do governo para conter a devastação da Amazônia.

O governo aproveitou a redução do desmatamento constatada pelo Inpe para responder aos que criticavam o Plano de Prevenção e Combate ao Desmatamento. "A queda do índice de desmatamento é reflexo do trabalho de 13 ministérios", disse o secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, referindo-se aos órgãos do governo envolvidos no plano. É natural que as autoridades destaquem a importância de suas ações, entre as quais a fiscalização mais intensa, a qual levou ao aumento do número de multas, que somam R$ 1,8 bilhão desde 2003. As ações policiais resultaram na prisão de 241 pessoas e na apreensão de 581 mil metros cúbicos de madeira, 26 tratores, 54 caminhões e 459 motosserras.

Mas os ambientalistas entendem que essas ações são isoladas, pois falta articulação ao governo. É preciso, por isso, buscar outras explicações para a redução da área desmatada na Amazônia. A queda do preço da soja, por exemplo, desestimulou a derrubada de florestas para a abertura de áreas para o plantio. Nada garante que, no momento em que a cotação da soja voltar a subir, o processo de desmatamento não se intensifique, visto que muitas ações previstas no plano do governo não foram desencadeadas e o que se tem visto até agora são iniciativas isoladas, afirmam ambientalistas.

É inegável que a redução do ritmo de desmatamento é uma notícia auspiciosa, pois aponta para riscos menores de destruição de um ecossistema muito rico, cuja diversidade biológica constitui um bem de valor incalculável para o País. Esse resultado, além disso, dá mais argumentos para as autoridades contestarem relatórios internacionais que apontam o Brasil como o campeão mundial do desmatamento. Um desses relatórios foi apresentado há menos de um mês pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação. Nele, o Brasil é apontado como o maior desmatador do mundo. Ambientalistas criticam as bases conceituais desse relatório, mas contestações técnicas não reduzem o impacto negativo que ele teve sobre a imagem do Brasil.

Melhor seria se a queda observada pelo Inpe representasse uma tendência e resultasse de atuação articulada dos órgãos públicos, com o apoio de entidades da área ambiental. Mas o que o encontro na Casa Civil evidenciou é que não há eficiência nem coordenação no governo.

O que é fácil de compreender considerando-se o número de órgãos do governo que "dão palpite" na questão ambiental.

A começar por 13 ministérios!