Título: As tarefas pós-FMI
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Fonte: O Estado de São Paulo, 11/01/2006, Notas e Informações, p. A3

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva presidiu ontem, no Palácio do Planalto, uma cerimônia dificilmente concebível há poucos anos e ainda inaceitável, com certeza, para muitos de seus eleitores: celebrou com o diretor-gerente do FMI, Rodrigo de Rato, o pagamento antecipado de US$ 15,57 bilhões emprestados ao Brasil. A dívida venceria em dezembro de 2007, mas foi liquidada no dia 27 do mês passado. O governo planeja quitar antecipadamente, também, um débito de US$ 2,6 bilhões com o Clube de Paris. O vencimento da última parcela estava previsto para o fim do ano.

A economia de juros é menos importante do que a exibição de confiança perante os investidores e a comunidade financeira. A liquidação dos dois compromissos é um marco simbólico. Assinala a conquista da segurança externa, já indicada pelo excedente comercial acumulado nos últimos anos, pelo superávit na conta corrente do balanço de pagamentos e pela acumulação de reservas cambiais - US$ 54,98 bilhões no dia 9.

O Brasil realizou um ajuste de mais de US$ 40 bilhões em sua conta corrente, desde a mudança cambial de janeiro de 1999. Ao mesmo tempo, o governo avançou na busca do equilíbrio fiscal e da redução da dívida pública. O superávit primário, destinado ao pagamento de juros, tem ultrapassado as metas oficiais e o esforço vem sendo reconhecido internacionalmente.

Mas o progresso no campo fiscal permanece bem mais modesto que a melhora obtida na frente externa. É preciso persistir e buscar resultados mais ambiciosos - e esta foi a mensagem principal de Rodrigo de Rato, na entrevista concedida ao correspondente do Estado em Washington, na véspera de sua chegada ao Brasil.

Falta continuar trabalhando, disse o diretor-gerente do FMI, para reduzir a proporção entre a dívida pública e o tamanho da economia e para reestruturá-la, reduzindo seu custo e alongando seu perfil. Essa é uma etapa necessária, lembrou, para o Brasil entrar no clube dos países com grau de investimento, capazes de atrair grandes volumes de capitais externos com baixo custo.

Várias economias menores e menos industrializadas que a brasileira já alcançaram esse status, graças à maior solidez de sua condição fiscal e aos índices de solvência mais tranqüilizadores. Por alguns indicadores do setor externo, o Brasil já iguala vários países com grau de investimento. Perde, na comparação, principalmente quando se trata dos indicadores fiscais, ainda insuficientes para uma aposta na estabilidade de longo prazo.

O Brasil tem sido capaz, observou De Rato, de aproveitar as boas condições internacionais para aumentar as exportações e fortalecer suas contas externas. É especialmente animador, segundo o dirigente do FMI, o bom resultado obtido num cenário de valorização cambial. Mas falta cumprir, na gestão das contas internas, uma parte importante do trabalho de ajuste.

Essa parte, poderia ter acrescentado De Rato, é politicamente a mais complicada. Para conseguir resultados mais sólidos, o governo terá de mudar a qualidade do ajuste fiscal, muito dependente, nos últimos anos, do aumento da tributação.

Será preciso manter ou elevar o superávit primário sem aumento de impostos. Para isso o governo terá de controlar a expansão do custeio do setor público e abrir espaço, em suas contas, para maior volume de investimentos. Precisará realizar uma reforma apenas insinuada nos documentos do acordo com o FMI, a reforma do orçamento, pouco flexível por causa do excesso de vinculações. Terá de avançar na reforma da Previdência, insuficiente, até agora, para prevenir o agravamento dos desequilíbrios dentro de alguns anos.

Tudo isso envolverá negociações políticas difíceis, mas os principais avanços institucionais da última década, como a renegociação das dívidas de Estados e a Lei de Responsabilidade Fiscal, só foram obtidos dessa forma. Seja quem for o próximo presidente, deverá incluir esses temas em sua agenda. Não porque o FMI recomende essas mudanças, mas porque o País não poderá dispensá-las se quiser aproveitar, como disse De Rato, "a melhor chance que teve em uma geração".