Título: Polícia ataca: 20 refugiados mortos
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Fonte: O Estado de São Paulo, 31/12/2005, Internacional, p. A8

Tropa de choque egípcia esvaziou com violência campo de sudaneses no Cairo, provocando pisoteamento

Pelo menos 20 sudaneses morreram e mais de 50 ficaram feridos quando a polícia egípcia dispersou violentamente, ontem, um protesto de milhares de refugiados que exigiam ser removidos para outro país. Também ficaram feridos 75 policiais que retiraram à força os refugiados, acampados havia três meses num parque municipal de um bairro afluente do Cairo. Um porta-voz do Ministério do Interior confirmou apenas 12 mortes e disse que a causa foi um corre-corre no acampamento, mas outros funcionários disseram, extra-oficialmente, que os mortos eram 20. Boutros Deng, um dos líderes do protesto, afirmou que morreram 26 pessoas, sendo 17 homens, 7 crianças e 2 mulheres.

A polícia usou jatos d'água e cassetetes, agindo com brutalidade contra os manifestantes, que resistiram atirando pedaços de pau e garrafas.

Em setembro, os sudaneses iniciaram o acampamento em protesto contra a recusa da ONU em considerá-los refugiados, depois que em janeiro um acordo de paz pôs fim à guerra civil no Sudão, país vizinho do Egito. Eles querem ser enviados para um terceiro país, como EUA ou Grã-Bretanha, em vez de voltar para o Sudão. Na madrugada, os sudaneses desmontaram seus barracos de plástico e papelão, mas recusaram-se a deixar a área n os ônibus que os levariam para novos acampamentos. Pouco antes do amanhecer, tropas de choque cercaram o campo para a remoção à força. Testemunhas estimaram o número de policiais em mais de 2 mil.

"A maioria dos refugiados sudaneses foi alvo de violência no Egito. Não queremos ficar mais tempo aqui", disse um dos manifestantes, que se identificou apenas como Wilson. Depois que a polícia deixou o local, Wilson e uma mulher sudanesa disseram que centenas dos que foram retirados à força do local foram levados para um acampamento dirigido pelas forças de segurança egípcias.

O Ministério do Interior egípcio afirmou que a ação foi motivada, em parte, por um pedido de proteção do alto comissário da ONU no Egito "depois de receber ameaças de ataques (dos sudaneses) contra os escritórios da organização e seus membros" no Cairo. O acampamento foi montado perto da sede da agência da ONU para refugiados. O alto comissário da ONU para refugiados, o ex-primeiro-ministro português Antonio Guterres, qualificou o ocorrido de uma tragédia. A porta-voz da entidade, Astrid Van Genderen Stort, confirmou apenas que a direção de fato pediram às autoridades egípcias que encontrassem uma maneira de resolver pacificamente o impasse.

A guerra no Sudão durou 21 anos e deixou mais de 4 milhões de pessoas sem teto. Muitos sudaneses não se sentem seguros para voltar para casa, pois temem nova guerra. Um outro conflito, na região sudanesa de Darfur, provocou nos últimos meses a fuga de mais de 2 milhões de pessoas.