Título: Turismo sexual: ameaça de prisão
Autor: Adriana Carranca
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/01/2006, Metrópole, p. C1

C.F., de 17 anos, perambula pelas ruas de Natal (RN) em busca de clientes desde os 14. Conheceu muitos nas calçadas que beiram o mar verde da praia de Ponta Negra, onde se concentra a maioria dos turistas na cidade, brasileiros e estrangeiros. Ali ficam bares, restaurantes e boates. Ao cair da noite, quando aumenta o movimento de visitantes, aparecem mais meninas e jovens prostitutas, que chegam a cobrar até R$ 200,00 por um programa. Ponta Negra é um dos 29 pontos de turismo sexual identificados pela Polícia Civil desde 2001 em Natal. A maioria continua funcionando, apesar de campanhas e ações de fiscalização. Como em Natal, o turismo sexual e a exploração de crianças e adolescentes acontece em capitais como Rio, São Paulo, Recife, Fortaleza, Salvador, Belo Horizonte, Belém e Manaus. A partir de hoje, ao chegar a essas cidades, os turistas verão em outdoors e panfletos distribuídos em hotéis e aeroportos esta mensagem, em inglês: ¿Explore sexualmente uma criança e vá para a cadeia. Aqui ou em seu país.¿ A campanha é financiada pelo governo dos Estados Unidos e pela organização não-governamental internacional Visão Mundial.

Dados do Ministério do Turismo, de 2004, apontam que dos 1.514 destinos turísticos brasileiros, 398 têm esquemas de exploração sexual comercial de crianças e adolescentes. De acordo com a Visão Mundial, o objetivo principal da campanha é combater a sensação de impunidade dos envolvidos com exploração sexual. Um dos motivos que fez a entidade trazer a iniciativa ao Brasil foi a estimativa do Unicef de que o País, as Filipinas e a Tailândia são responsáveis por 10% do turismo sexual no mundo. Na Tailândia, a campanha já é realizada há dois anos.

A ONG usou como base do trabalho no Brasil uma pesquisa feita entre 1996 e 2004 pela Universidade de Brasília (UnB), que identificou 930 municípios onde existe comprovação de exploração sexual infantil ¿ os casos não se limitam a turismo sexual, incluindo outras formas de abuso.

Mas a especialista Fátima Leal, da UnB, disse que campanhas nacionais são pouco eficientes. Para Fátima, o ideal é o combate municipalizado, integrado a programas sociais, principalmente de geração de renda. ¿Exploração sexual é um problema econômico. A presença de estrangeiros é mais um atrativo, mas o turismo sexual é também sustentado por brasileiros.¿

PARCERIA

Na campanha, que deve durar seis meses, a Visão Mundial prevê gastar US$ 300 mil. O governo federal dará apoio à iniciativa, por meio do Ministério do Turismo e da Secretaria de Direitos Humanos, que terá o telefone para denúncias de exploração sexual (0800 99 0500) divulgado no material.

Em Natal, a prostituição cresce juntamente com o turismo. Hoje a cidade recebe 30 vôos nacionais diários e outros 25 charters internacionais por semana, trazendo gente da Inglaterra, Espanha, Portugal e países nórdicos. Com eles, chegam a Natal também garotas de programa vindas de outras cidades, como Fortaleza e Recife. Segundo especialistas e a Polícia Civil, o aumento da quantidade de meninas se prostituindo nesses locais faz muitas garotas migrarem para Natal, onde o turismo está crescendo.

Mas a concorrência também cresceu em Ponta Negra. Por causa disso, C.F. trocou o bairro pelas calçadas da Avenida Roberto Freire, onde fica o Praia Shopping, outro local freqüentado por turistas. ¿Aqui a concorrência ainda é pequena.¿ C.F. e amigas cobram R$ 30,00 por programa ¿ o dobro do que receberiam em uma semana trabalhando como empregadas domésticas. ¿Perto das meninas de Ponta Negra, eu não conseguia nada.

A barriga espanta os clientes¿, conta C.F, grávida de oito meses e ainda fazendo programas para sustentar o outro filho, de pouco mais de 1 ano. K. J., que diz ter 18 anos embora aparente bem menos, conta que já tentou emprego em outras áreas, mas ganhava pouco.

Segundo a Delegacia de Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes (DDCA), na maioria dos pontos de prostituição em Natal há meninas com menos de 18 anos. Em dezembro, foram presos os sócios da boate Senzala e dois taxistas por favorecimento de prostituição. A boate já havia sido interditada em 2002. Hoje, continua aberta e os acusados respondem a processo em liberdade.

RIO

Com a proximidade do carnaval, governos estaduais também reforçaram o combate à exploração sexual. Equipes da Secretaria de Estado da Infância e da Juventude do Rio vão intensificar a abordagem de adolescentes que se prostituem em Copacabana. O problema, comum em toda a cidade ao longo do ano, se concentra mais na orla no período de férias e carnaval.

Este ano, o calendário inclui ainda o show gratuito dos Rolling Stones, no mês que vem. Por mês, cem adolescentes são acompanhadas: 85% têm de 13 a 17 anos e vêm de outros municípios; 10%, que têm entre 9 e 11 anos, são exploradas pela família. ¿Não se tira um jovem desses da rua em um mês. Fazemos um trabalho de formiguinha¿, diz a coordenadora do serviço, Adriana Guilherme.

¿A vida em Copacabana é bonita, glamourizada. As meninas vão para lá com sonhos de ganho maior¿, diz Adriana. De R$ 20,00 a R$ 30,00 por um programa em locais como a Vila Mimosa, na Praça da Bandeira, zona norte, elas podem receber entre US$ 30 e US$ 50.

Do fim de 2003 a novembro de 2005, a Polícia Federal fez seis megaoperações no País contra as quadrilhas de exploração sexual. O traço comum entre elas é a ligação com o crime organizado internacional. A mais importante, a Operação Corona, feita em novembro no Rio Grande do Norte, levou à prisão o italiano Giuseppe Amirabille, um dos chefões do grupo mafioso Sacra Corona Unita.