Título: BRs 146 e 267 estão abandonadas na região sul de Minas Gerais
Autor: Agnaldo Brito
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/01/2006, Economia & Negócios, p. B6

Governo federal diz que conservação cabe ao Estado, que aceita as rodovias só depois de consertadas

POÇOS DE CALDAS (MG) - Visto de longe, o bailado de carros e caminhões sugere um espetáculo de ousadia. Não de perto. Ou melhor, não de dentro de uma boléia. Cruzar trechos das BRs 146 e 267, na região sul de Minas Gerais, é, antes de tudo, um risco de vida. E não tem a menor graça. "Ando por esta estrada há 35 anos e nunca vi a rodovia neste estado", reclama Virgolino Muniz, morador de Poços de Caldas e usuário assíduo do trecho. Como outras rodovias federais, as duas BRs ficaram órfãs. O governo federal alega que "estadualizou" as estradas a partir da MP 82, ainda no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O governo estadual critica o antecessor sob a alegação de que o dinheiro repassado não foi usado para a manutenção da via. Mais: diz que só aceita a "estadualização" depois de consertada a estrada. O Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transporte (DNIT), órgão do Ministério dos Transportes ¿ a quem cabe o trabalho ¿, diz, por sua vez, que aguarda decisão do governo para mexer nas duas rodovias. Não há previsão.

E enquanto progride a celeuma sobre a paternidade das rodovias, motoristas e caminhoneiros têm de reaprender a dirigir. Nas BRs 146, que liga a região do planalto de Poços de Caldas à BR 365, e a 267, que dá acesso a Fernão Dias para quem deseja alcançar Belo Horizonte, nenhuma das regras de condução defensiva tem valor. Nem poderia. Asfalto não há, praticamente. Buracos? Vários, de todos os tamanhos, largura, profundidade e espessura. Opção mesmo é manter a velocidade inferior a 30 quilômetros por hora, o que torna a viagem uma eternidade. Também só resta escolher o buraco menor, nem que para isso seja necessário invadir a pista contrária, ou até mesmo o acostamento. Acidentes são comuns. Problemas mecânicos em pneus e suspensão, mais ainda.

OPERAÇÃO SOB RISCO

Um excepcional teste para montadoras de olho no mercado off road, um problema para quem é obrigado a se submeter a tamanho descaso, como Ademar Schlive, caminhoneiro há 29 anos, alguns deles transitando nas BRs. Hoje, é funcionário da Alcoa e um dos responsáveis por uma das operações de transportes mais arriscadas do País.

Schlive dirige uma carreta que transporta diariamente sete toneladas de alumínio líquido entre Poços de Caldas e o município de Três Corações. Não há outro caminho exceto as BRs 146 e, depois, a 267. O alumínio é transportado a temperatura média de 800 graus até a fábrica da Mangels, onde a matéria-prima é transformada em roda para veículos. A operação substituiu outra, mais custosa. A Mangels comprava os lingotes de alumínio da Alcoa para derretimento e obtenção do mesmo metal na forma líquida.

A operação reduziu custos de energia para a Mangels e abriu uma perspectiva comercial para a Alcoa: a de fornecer o produto para transformadores. A operação começou em maio de 2004, e funciona apesar dos problemas de infra-estrutura. Schlive tem que cruzar os 190 quilômetros entre a Alcoa e a Mangels num prazo máximo de quatro horas e meia. A cada hora, o panelão com alumínio líquido esfria cerca de 20 graus. "Até bem pouco tempo era possível fazer este trecho em 3 horas e meia, 3 horas e quarenta. Com uma estrada nesta condição, estamos chegando ao destino em 4 horas e vinte minutos. No limite do tempo", conta.

A perda de temperatura do alumínio o torna viscoso. Perde a fluidez e há risco de o produto solidificar no tanque de transporte. "Se isso ocorrer, perdemos o tanque para transporte. Cada um custa R$ 90 mil", explica Julio Cesar Martins da Costa, superintendente de produção da Alcoa. Além do prejuízo econômico, há o risco de acidentes. Já ocorreu um. No trecho próximo a Paraguaçu, um motorista perdeu o controle do veículo e bateu de frente com o caminhão que transporta o alumínio líquido. Felizmente, o caminhão retornava a Poços vazio.

Mas a Alcoa não é a única a enfrentar os riscos e os prejuízos com a estrada. "A situação aqui é a seguinte: quanto mais buraco, menos faturamento", reclama Rosendo José Brandão, proprietário do Auto Posto Rio Pardo, às margens da BR 267. Há sete anos é dono do ponto e diz nunca ter visto a rodovia em situação como a atual. O posto fica num dos trechos mais destruídos da pista, onde a velocidade não supera os 40 quilômetros por hora.

Problema, Brandão sentiu mesmo no período de Natal. O movimento do posto e do restaurante foi muito menor em comparação aos anos anteriores. "Acho que pouca gente tem ânimo de vir a Poços de Caldas com uma estrada destas", pondera. A avaliação de Brandão corresponde com o que apurou a Associação Comercial de Poços de Caldas. A entidade calculou uma queda de 30% no volume de vendas no Natal. Culpa atribuída à estrada.