Título: A geração que revolucionou a América chega aos 60 anos
Autor: PAULO SOTERO
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/01/2006, Vida&, p. A16

Os baby boomers, nascidos no pós-guerra, reinventam a terceira idade e nem pensam em aposentaria

WASHINGTON - A geração que proclamou em Woodstock, em 1969, que não acreditava em ninguém com mais de 30 anos ingressa hoje na casa dos 60 mais sábia e ajuizada, mas sem perder o embalo ou o poder transformador que sua passagem teve, a cada estágio, na vida dos Estados Unidos. Pesquisa com uma amostragem científica dos 76 milhões de baby boomers - os americanos nascidos entre 1946 e 1965 - revelou que nada menos que 73% pensam em adiar a aposentadoria e reinventar a terceira idade, não só por necessidade, mas porque rejeitam a idéia tradicional de parar de trabalhar. Bem mais da metade (62%) acha viável mudar mais uma vez de carreira. Muitos dizem que pretendem voltar à universidade. Perto de três quartos acham importante fazer exercício e ter a companhia de um gato ou cachorro. A vasta maioria atribui grande valor à vida amorosa e um terço não vê na idade razão para diminuir a atividade sexual.

Segundo Gail Sheehy, que começou a escrever sobre essa revolucionária geração 30 anos atrás, no livro Passages, "essas expectativas são alimentadas não apenas pelo desejo de sentir um propósito na vida e manter a participação social, mas também pela necessidade de preparar o sustento material pelo prolongamento da última fase da vida".

Produtos da era de otimismo e prosperidade que os EUA viveram nos 20 anos posteriores à 2ª Guerra, os boomers são um fenômeno demográfico sem paralelo na história americana. Foi para acomodá-los - 50% e 15% mais numerosos do que as gerações anterior e seguinte, respectivamente - que surgiram os subúrbios de casas padronizadas, mudando o cenário urbano da América a partir dos anos 50.

Primeira geração criada com a ajuda de um manual - o best-seller Baby and Child Care, do pediatra Benjamin Spock -, os boomers viabilizaram a universalização da TV, dos eletrodomésticos e de todos os fenômenos de massa alimentados, a partir da década de 50, pelo que hoje se conhece como marketing e publicidade.

ROCK-AND-ROLL

Seu impacto cultural está presente até hoje. Os boomers revolucionaram a até então bem comportada cultura popular aderindo ao ritmo alucinante do rock-and-roll. Ao chegar à universidade, desafiaram novamente os padrões de comportamento. Sob os ventos de mudança e liberdade trazidos pelo movimento em favor dos direitos civis dos negros e pelo fim da segregação racial patrocinada pelo Estado, foram às ruas protestar contra a Guerra do Vietnã.

Marcharam também em favor da emancipação das mulheres, que ingressaram em números sem precedentes na universidade e no mercado de trabalho. A opção pela carreira levou milhões, mais tarde, a dar corda no relógio biológico, postergando para depois dos 30 e mesmo dos 40 anos a chegada dos filhos.

Embalados por Beatles, Jimmy Hendrix, Janis Joplin e outros, os boomers confirmaram também a vocação para quebrar tabus manifestando-se pelo sagrado direito de não se manifestar, de usar drogas e viver em "paz e amor" em comunas de hippies, que expressaram seu inconformismo e rejeição em relação à sociedade massificada da qual eram os principais protagonistas.

O SÍMBOLO

A vida de Kathleen Casey-Kirchling espelha a trajetória e os dilemas de sua geração. Nascida nos primeiros segundos de 1946, ela foi identificada como a primeira baby boomer pelo jornalista Landon Y. Jones, que cunhou a expressão em 1980 no livro Great Expectation: America and the Baby Boom Generation.

Nascida numa família católica de Nova Jersey, ela cresceu assistindo ao Clube do Mickey Mouse, um dos primeiros sucessos infantis na TV. Como toda criança da Guerra Fria, participou na escola dos exercícios semanais contra ataque atômico.

Filha de pais da classe trabalhadora, Kathleen não seguiu imediatamente o conselho da avó de fazer a universidade. Preferiu trabalhar. Aos 20, casou-se com um médico que foi mandado para o Vietnã. "Meus amigos eram contra a guerra, e eu também, mas tinha meu marido lá", lembrou ela a Landon Jones, na revista Smithsonian.

O feminismo e as drogas foram parte de seu mundo. "Minhas melhores amigas queimaram os sutiãs e fumaram maconha. Eu não." Kathleen teve duas meninas depois que o marido voltou - um número típico de filhos de sua geração, enquanto a anterior contabilizava três. Mas a vida do lar passou a ser sufocante quando as filhas chegaram à adolescência. Criada para crer que "o divórcio é pior que a morte", em 1985 ela quebrou outra tradição, encerrando o casamento. Segundo as estatísticas, 1 em 5 mulheres no grupo etário de Kathleen divorciou-se ao menos uma vez. "Queria ser mais independente dos homens que minha mãe foi."

Desimpedida, fez faculdade à noite, passou a trabalhar como nutricionista e ainda conclui o mestrado em educação sanitária. Kathleen é hoje avó de cinco netos e ajuda a cuidar deles.

Novamente casada, com um professor universitário, a primeira boomer leva uma vida ativa, outro traço típico de sua geração. Faz exercícios e atua, como milhões de boomers, como voluntária de várias causas.

Kathleen é politicamente mais liberal e tolerante do que já foi e não esconde sua perplexidade diante do atual conservadorismo político dos baby boomers. Curiosamente, esse conservadorismo estendeu-se a seus filhos, que viveram a maior parte de sua vida adulta na era direitista iniciada com a eleição de Ronald Reagan, em 1980. São os mesmos que, até os ataques terroristas do 11 de Setembro, tiveram como principal acontecimento político de sua geração o escândalo sexual que envolveu Bill Clinton - o primeiro boomer a chegar à Casa Branca. "Há grandeza em nossa geração", disse Kathleen. "Simplesmente não temos grandeza em nossos líderes políticos, e não tenho problema em dizer isso."

Beneficiária, como a maioria dos boomers, da histórica valorização do mercado acionário nos anos 90, Kathleen e o marido investiram no mercado imobiliário. Mas essa geração confronta a possibilidade de falência dos sistemas federais de pensão e de seguro médico e hospitalar, cuja viabilidade dependerá em parte das escolhas que seus integrantes farão sobre quando parar e o que fazer nos 15 a 20 anos de vida que terão, em média, depois que atingirem os 65 anos - a idade estabelecida por lei em 1930 para a aposentadoria plena.

EXPLOSÃO DEMOGRÁFICA

Empresas de marketing e entidades públicas estudam o impacto da explosão demográfica da terceira idade em curso. Segundo elas, em 2012, 1 em 3 americanos terá mais de 50 anos.

Para Scott Morris, do Comitê para o Desenvolvimento Econômico, em Washington, "a aposentadoria dos baby boomers provocará uma mudança sem precedentes na composição da força de trabalho". Uma delas, segundo ele, será o aumento da dependência do país da mão-de-obra imigrante, para suprir o déficit criado com a saída gradual do mercado de trabalho da maior geração da história.

Outros estudiosos crêem que os próprios boomers ajudarão a contornar o problema reforçando a tendência do adiamento da aposentadoria - por necessidade ou preferência. Em 2000, 13% dos mais de 140 milhões de pessoas que compunham a mão-de-obra ativa nos EUA tinham mais de 55 anos. Em 2050, quando os mais jovens dos boomers atingirem 85, a proporção deverá estar em 20%, segundo o Bureau of Labor Statistics.