Título: Mais brasileiros têm duplo diploma
Autor: Renata Cafardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/01/2006, VIda&, p. A14

Já é possível em muitas universidades cursar parte da graduação no exterior e ter certificado das duas instituições

O que era exceção no ensino superior brasileiro há menos de cinco anos o mundo globalizado está fazendo virar exigência. Universidades públicas - e poucas particulares - passaram a oferecer o chamado duplo diploma. Uma parte dos estudos é feita no Brasil e a outra, no exterior, quase sempre numa instituição francesa. O diploma de graduação é assinado pelas duas universidades e vale tanto lá quanto cá. Os convênios são fechados entre cursos de uma mesma área dos dois países. E prevê troca de estudantes - brasileiros podem estudar no exterior e vice-versa. Mas a proporção de quem vai e quem vem ainda é desequilibrada. Na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), a pioneira na internacionalização, 300 alunos já fizeram parte do curso de Engenharia fora. Os programas existem desde 2001 e, desde então, somente 80 estrangeiros vieram para o País.

"Estamos cada vez mais atraindo alunos de escolas estrangeiras porque vêem os resultados dos nossos alunos lá", diz o presidente da Comissão de Relações Internacionais da Poli e membro da Comissão de Cooperação Internacional da USP, Adnei Melges de Andrade. Ele lembra que os primeiros convênios na Poli ocorreram por iniciativa dos franceses. Hoje, há parcerias com a École Polytechnique e a Écoles Centrales, entre outras.

A mais recente parceria na USP foi fechada pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), em Piracicaba, e a francesa Pari-tech. É o primeiro duplo diploma no País em Engenharia Agrícola e começa neste ano. São cinco vagas para cada lado e só alunos que já completaram o 3º ano podem se inscrever. Assim como nas outras instituições que têm duplo diploma, boas notas e um plano de estudo no exterior qualificam o candidato. "Na França, a agricultura familiar tem alta tecnologia. O Brasil tem culturas tropicais em larga escala. É uma troca de experiência importante", diz a coordenadora do convênio na Esalq, Maria Lucia Vieira.

O duplo diploma também é realidade na Faculdade de Administração, Economia e Contabilidade (FEA) que já oferece até disciplinas optativas em inglês para atrair alunos estrangeiros. "A internacionalização deu um pulo de qualidade na nossa formação", diz a diretora Maria Teresa Fleury. Nas eleições para a reitoria da USP, em 2005, o tema foi um dos mais defendidos pelos candidatos. E a nova reitora, Suely Vilela, quer uma política para incentivar os duplos diplomas.

CAMINHO SEM VOLTA

"A internacionalização é um caminho sem volta e, quanto mais, melhor. Ela desparocaliza a visão de mundo e melhora as chances no mercado de trabalho", diz o presidente da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional da Educação (CNE), Edson Nunes. Os duplos diplomas podem ser oferecidos livremente pelas universidades brasileiras, sem autorização prévia do Ministério da Educação (MEC).

Mas, para Nunes , a estrutura do ensino superior no País dificulta o intercâmbio entre estudantes. "Nossos currículos são engessados em uma formação muito profissional, o que não ocorre em muitos países." Ele explica que nosso modelo é parecido com o de Portugal e o da França, país que tem o maior número de convênios com o Brasil. São hoje dez duplos diplomas franco-brasileiros, a maioria nas áreas de Engenharia e Administração.

O casamento entre os dois países na educação é antigo. Um exemplo foi a vinda de professores franceses para a criação das primeiras universidades do País - a USP teve essa ajuda em 1934. "O aluno francês nas escolas brasileiras tem acesso ao duplo diploma e à dupla cultura", diz Pierre Fayard, presidente do Centro Franco Brasileiro de Documentação Técnico e Científica, ligado ao consulado da França.

TENDÊNCIA EUROPÉIA

O Brasil acompanha hoje uma tendência de internacionalização na educação que começou na Europa, em 1999, com a assinatura do Acordo de Bolonha (ver texto ao lado). Universidades passaram a unificar seus currículos e facilitar o intercâmbio de alunos.

A Fundação Getulio Vargas (FGV) vai também se adaptar ao Acordo de Bolonha. Fechou recentemente um convênio de duplo diploma com a HEC, em Paris, uma das grandes instituições de ensino de negócios no mundo. O diferencial é que as duas passarão a oferecer neste ano o que se pode chamar de quádruplo diploma. De acordo com o que pedem os novos currículos europeus na área, os alunos entrarão na faculdade e, com cinco anos de curso, sairão com diplomas de graduação e de mestrado.

"Só o bacharelado nessa área na Europa não serve mais para nada", explica a coordenadora de Relações Internacionais da FGV, Ligia Maura Costa. Os brasileiros farão um ano e meio na HEC e o restante na FGV - o valor da mensalidade será o mesmo. "O aluno poderá trabalhar em qualquer lugar do mundo."

Bruno Oliveira Amorim, de 19 anos, está no 2º ano de Engenharia Mecânica e já entrou na Poli em busca do duplo diploma. Começou a estudar francês, se empenhou para tirar notas altas e participou de atividades extra-curriculares, porque sabia que contariam pontos na seleção. Foi escolhido em 2005 e embarca para a França em julho. "Um diploma francês vai me ajudar bastante", acredita. Bruno ainda não sabe como financiará a viagem - não precisa pagar o curso, mas calcula que gastará cerca de 600 por mês.

Uma das poucas possibilidades de bolsas para brasileiros na França é oferecida pela Capes, mas em número limitado. Bruno agora procura apoio de empresas. Camila Garcia, de 23 anos, custeou suas despesas na França, onde estudou em 2004. Ela conta que cursou disciplinas que não havia em seu curso de Administração da FEA. "Tive uma formação complementar." Camila receberá em breve um duplo diploma e, para isso, teve também seu trabalho de conclusão de curso orientando por professores da FEA e da Euromed.

Na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), os acordos incluem bolsa de 1.100. A procura pelo duplo diploma cresce a cada ano e para 2006 já há mais de 100 inscritos.

A internacionalização das instituições começou com programas de intercâmbio. Por meio de convênios, os alunos podiam passar de seis meses a um ano em universidades fora e os créditos podem ser descontados do currículo aqui. Os intercâmbios continuam mesmo depois da adoção do duplo diploma.

"Os cursos aqui têm o mesmo nível dos que fiz na Alemanha", diz o alemão Nicolai Pruesmann, de 26 anos, que estuda na Universidade Técnica de Berlim e, desde agosto, também na FEA. Ele acredita que estudar no Brasil pode ajudá-lo a trabalhar em empresas alemãs que têm filiais aqui.