Título: `Devemos ser vigorosos, e não ingênuos, na disputa política¿
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/01/2006, Nacional, p. A8

Para ministro, oposição transforma CPI em espaço de encenação teatral e aproveita crise para enfraquecer governo

BRASÍLIA - Cauteloso nas palavras como todo mineiro que se preza, o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, deixou o recato de lado às vésperas do ano-novo. Inconformado com a artilharia na direção do Planalto, Patrus conclama o PT e os partidos aliados a defenderem o governo Lula neste ano eleitoral de 2006. "Não podemos ser ingênuos", afirma. "Acho que devemos ser vigorosos nessa disputa política." Com uma estocada aqui e ali nos tucanos, o advogado Patrus justifica a conclamação sob o argumento de que, a partir de agora, está em jogo um "projeto de sociedade". No seu diagnóstico, a oposição tem feito das CPIs um espaço de "encenação teatral", aproveitando a crise para enfraquecer ainda mais o governo.

Católico fervoroso e dono de boa prosa, o ministro do PT jura de pé junto que o aumento de recursos para o Bolsa Família no orçamento de 2006 não tem por trás objetivos eleitorais e rejeita o rótulo de "assistencialista" para o programa que hoje beneficia 8,7 milhões de famílias. "Eu não aceito esse falso dualismo: dar o peixe ou ensinar a pescar? São duas faces de uma mesma moeda. A fome não espera", alega Patrus, que foi prefeito de Belo Horizonte de 1993 a 1996.

Nesta entrevista ao Estado, o ministro que trabalha em silêncio prega a reeleição de Lula, diz que o governador de Minas, Aécio Neves (PSDB), tem sido um parceiro "tímido" na área social e garante que, num eventual segundo mandato petista, a política econômica será "mais flexível".

Apesar do crescimento das políticas de transferência de renda, muito pouco tem sido feito pelo governo para ajudar as famílias a caminhar com as próprias pernas, na avaliação de especialistas ouvidos pelo "Estado". O que o sr. acha dessa análise?

Temos de assegurar, primeiro, as portas de entrada. Simultaneamente, vamos construindo as portas de saída, através de políticas de geração de renda. Não encontramos um caminho feito; quando muito, algumas picadas: programas dispersos, fragmentados. Superamos a fase do assistencialismo, do clientelismo, do quem indica. Eu penso que estamos avançando muito. O Bolsa Família não é um programa por si só: ele cada vez mais se integra com outros nessa perspectiva de possibilitar que as pessoas se tornem auto-suficientes.

Mas não falta articular o combate à fome com políticas de desenvolvimento para que as pessoas não continuem eternamente dependentes de cestas básicas e de programas como o Bolsa Família para sobreviver?

Qualquer pessoa em situação de fragilidade tem o direito de receber do Estado e da sociedade o básico para uma vida decente. Não há como chamar isso de assistencialismo. Eu não aceito esse falso dualismo: dar o peixe ou ensinar a pescar? São duas faces de uma mesma moeda. As pessoas têm que ser atendidas aqui e agora. A fome não espera. Além de darmos cidadania às pessoas, estamos também formando consumidores, ampliando o mercado interno. Quando compram comida, uma roupinha melhor para a família e melhoram suas casinhas com algum eletrodoméstico, essas pessoas estão aquecendo a economia e, na ponta, gerando empregos. É o que chamamos de sustentabilidade social do crescimento econômico.

Num governo em que a política econômica é considerada de direita, a política social é de esquerda?

Eu não considero que a política econômica seja de direita. Já vimos muitos governos bem-intencionados e que fracassaram porque não tiveram os cuidados devidos com a economia, como o de Salvador Allende, no Chile. É claro que a gente pode discutir a dosagem, se os juros deveriam cair mais ou menos, mas ter uma política econômica austera me parece fundamental. E, pela primeira vez na história, temos um ministério voltado para a promoção dos pobres. No ano passado tivemos um orçamento de R$ 17,1 bilhões, que agora vai para mais de R$ 21 bilhões.

Para a oposição, esse aumento de recursos num ano de campanha política indica que o governo usa o Bolsa Família com fins eleitorais...

Temos trabalhado aqui com os governos e as prefeituras numa linha absolutamente suprapartidária. A questão social começou a ser tratada no Brasil como prioridade de governo. Em 2002, foram investidos R$ 7,2 bilhões nas políticas de assistência e desenvolvimento social; em 2003, no primeiro ano do governo Lula, R$ 11,4 bilhões; em 2004, já com o nosso ministério, R$ 14 bilhões. Em 2005, R$ 17,1 bilhões e vamos agora para mais de R$ 21 bilhões. Quer dizer: três vezes mais em relação a 2002.

A ordem é comparar o governo Lula com o de Fernando Henrique?

Não coloco isso para efeito de comparação com o governo anterior. É um ponto de reflexão. No nosso governo não existe economia versus social. As duas áreas se integram.

Mas na última reunião ministerial colegas seus cobraram recursos do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e reclamaram da restrição fiscal. A cobrança foi grande...

Essa cobrança é constante. A disputa pelos recursos é real e a gente sabe que em todos os governos responsáveis o ministro da Fazenda joga um pouco na defensiva. O ministro da Fazenda é o zagueirão do time, o beque central, tem que defender. E a gente ataca (risos). Agora, se todo mundo for para o ataque, o time vai perder.

O superávit primário elevado não atrapalha o combate à fome?

Olha, eu não sou um especialista no assunto, mas sei que a questão econômica tem de ser tratada com muito cuidado, pois, já dizia Dante Alighieri, de boas intenções está bem calçado o caminho do inferno.

O governo Lula já fez tudo o que é possível no combate à fome?

Não. Estamos fazendo muito, e certamente faremos mais. É uma questão de tempo.

O presidente Lula precisa ser reeleito para cumprir as promessas?

Não são promessas. É um compromisso de vida. O que dificulta é que muitas vezes a gente tem pressa e atropela as coisas. Para mudar o quadro social de um país leva um tempo.

Quanto tempo, ministro?

Uma vez perguntaram ao Churchill (Winston Churchill, primeiro-ministro que dirigiu a Grã-Bretanha durante a 2.ª Guerra) quanto tempo demoraria para terminar a guerra, num período muito difícil, quando não estava nem assegurada a vitória aliada. O Churchill disse: "Se nós não cometermos grandes erros gastaremos a metade do tempo do que se os cometermos." (risos)

Então, com essa crise política toda, isso significa que...

Se nós continuarmos com essas políticas sociais, eu penso que teremos condições de cumprir as Metas do Milênio no prazo estabelecido (2015). Mas aí depende muito da adesão, ainda tímida, de alguns prefeitos e governadores...

De quem o sr. está falando?

Acho que o governador de Minas, Aécio Neves, tem sido um parceiro muito tímido. Praticamente todos os programas sociais que estão em Minas, hoje, são do nosso ministério.

O sr. acha que o presidente Lula deve ser candidato à reeleição?

Eu estou convencido de que o governo do presidente Lula deve continuar para que possamos consolidar as grandes conquistas econômicas e sociais. As medidas tomadas até agora vão possibilitar seguramente uma política econômica mais flexível num segundo mandato, com juros mais baixos.

Não houve precipitação na campanha de 2002, quando o então candidato Lula prometeu que, ao fim de seu governo, todos os pobres comeriam três vezes por dia e o salário mínimo seria dobrado? Isso não vai acontecer...

Quanto ao poder de compra do salário mínimo, estamos chegando lá. Na questão da segurança alimentar, o presidente não fez promessa. Ele lançou ao País um desafio para que juntos possamos vencer a fome, a pobreza e a exclusão social. Estamos, sim, vencendo a fome no Brasil. É dever de um estadista convocar seu povo para metas desafiadoras. Quando Franklin Roosevelt fez campanha à Presidência dos Estados Unidos, em 1932, prometeu acabar com o desemprego. Isso custou muito a acontecer. Infelizmente, só foi acontecer na guerra. Nem por isso foi uma promessa menor.

Nessa guerra, o sr. vai ou não sair do governo para se candidatar?

Não. O meu acerto com o presidente Lula é no sentido de permanecer no ministério.

Como o sr., que é um petista histórico, encara essa crise envolvendo o PT e o governo?

Primeiro, temos de separar o governo do partido nesse processo. Mas vejo que há uma disputa política. Muitos dos que estão aí fazendo das CPIs uma tribuna e espaço de encenação teatral não estão empenhados em questões éticas e aproveitam esse momento para tentar enfraquecer o governo Lula. Não podemos ser ingênuos e acho que devemos ser vigorosos nessa disputa política. Acho que o PT e as forças políticas e sociais que apóiam o governo devem defendê-lo com força porque está em disputa o projeto de sociedade.

O sr. acha que toda essa crise é fruto de disputa política?

Não. Ocorreram práticas que feriram, sim, gravemente, valores éticos do PT. Precisamos com urgência repactuar o nosso território sagrado. Mas acho lamentável que o Congresso não tenha avançado na questão da reforma política. Estamos caminhando para disputar as eleições de 2006 com as mesmas regras do passado.

E com o caixa 2...

O caixa 2 é inaceitável. Se alguém fizer isso no PT, de agora em diante, será punido internamente. Mas há um aspecto importante a destacar: estamos construindo políticas que eliminam a raiz da corrupção no Brasil, que é a compra de votos. Pessoas que não recebem do Estado aquilo a que têm direito transformam seu voto num instrumento de troca por uma cesta básica, um saco de cimento. Não podemos julgá-las por isso. Podemos condenar aqueles que usam a miséria para corromper.

O Bolsa Família não dá margem a isso também?

O Bolsa Família vai possibilitar que ninguém tenha de trocar seu voto por um prato de comida.

Por falar em compra de votos, o sr. não acredita que tenha havido mensalão?

Fiquei na Câmara dos Deputados um ano e, no tempo em que estive lá, não vi nada. Não acredito que tenha havido mensalão da maneira como se coloca, uma coisa periódica. O que há são indícios de pagamentos para campanhas.